ABERTURA DA 24ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR
DO REGIONAL NE2
Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos
Tema: Vocação: Graça e Missão
Camocim de São Félix (PB), 04/11/2021
Inicialmente proponho aprofundar no sentido bíblico o tema proposto para
esta nossa Assembleia. Vocação: graça e missão. Em seguida como exercer no âmbito
familiar.Vocação: No Antigo Testamento, no hebraico, a expressão vocação é chamar
pelo nome: “significa muitas vezes uma eleição, ou seja, uma vocação para
determinada função. “Mas agora assim fala o Senhor que te criou, ó Jacó, e te
formou, ó Israel: Não tenhas medo, pois eu te resgatei, chamei-te pelo nome, tu és
meu!” (Is 43.1). Encontra-se também o verbo chamar. Em outros lugares, o convite de
Deus para participar dos bens da salvação é descrito igualmente como uma espécie de
vocação como vemos em Provérbios 1. 24 “Visto que vos chamei e recusastes, estendi
a mão e ninguém fez caso”. Se Deus chama alguém é para o reservar para si. “... e se o
povo, sobre o qual for invocado meu nome, se humilhar e rezar e me procurar e se
converter de sua má conduta, então eu escutarei do céu e lhe perdoarei o pecado e
restituirei a saúde da terra”, (2 Crônicas 7.14). No Novo Testamento, nos Evangelho fala-se muitas vezes num chamamento
divino dirigido aos homens: “muitos foram chamados, mas poucos são os eleitos (Mt. 22. 14; 20; 16); (Ap 19,9); com essa palavra paradoxal Jesus quis, provavelmente,
inculcar que a vocação nunca pode ser um motivo para o homem se gloriar diante de
Deus, pois a vocação continua sempre uma mera graça de Deus. “... enquanto os filhos
do Reino serão lançados as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes”;
e ao oficial disse Jesus: “Vai e seja feito segundo a tua fé” (Mt. 8, 12-13). Jesus dirige-se
aos futuros apóstolos (Mt. 4, 21), mas também aos pecadores (Mt. 9, 13). E
prosseguindo, viu (Jesus) outros dois irmãos, Tiago filho de Zebedeu e João seu irmão. Na barca junto com o pai, Zebedeu, consertavam as redes. E os chamou”. (Mt 4, 21). Jesus chama também os pecadores: “ide e aprendei o que significam as palavras:
Quero misericórdia e não sacrifícios. Porque não vim para chamar os justos, mas os
pecadores” (Mt. 9, 13). Em São Paulo encontramos a ideia com profundidade de uma vocação divina. Os cristãos são “os chamados por Cristo”. “[...] mas poder e sabedoria de Deus para
os chamados, quer judeus, quer gregos” (1cor. 1, 24). “Os chamados por Cristo”. “Por
isso ele é mediador da aliança nova. Por sua morte expiou os pecados cometidos no
decorrer da primeira aliança para que os eleitos recebessem a herança eterna que lhe
foi prometida. (Hb. 9, 15). “Chamados para serem santos”. “A todos os amados de
Deus, chamados santos, que estais em Roma, a graça e a paz sejam convosco, da parte
de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1, 7). “chamados segundo a
predestinação de Deus”. “Nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem
daqueles que amam a Deus, dos que são eleitos segundo seus desígnios” (Rm 8, 28).
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Poderíamos aprofundar muito mais sobre o chamado de Deus em nossas vidas, que na realidade, na concepção dos primeiros cristãos, e também para nós cristãos
de hoje, este chamamento de Deus é uma intervenção real de Deus. Devemos viver a
nossa vocação como filhos da luz. “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Andai, pois, como filhos da luz. O fruto da luz manifesta-se em toda bondade, justiça e
verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor e não sejais cúmplices nas obras
estéreis das trevas. Pelo contrário, condenais-as abertamente. Porque as coisas que
estes homens praticam secretamente, é vergonhoso até falar delas. Mas tudo isso, uma vez manifesta na luz, fica descoberto e tudo o que é descoberto é luz. Por isso se
diz: Desperta tu que dormes”. (Ef. 5, 8,14). Despertar, é está aberto a oração de Deus, do seu Espírito, ser fiel a missão para qual foi chamado em qualquer vocação, especialmente como família. Graça: A palavra graça, no Antigo Testamento não encontramos que exprima
o sentido teológico. Já no Novo Testamento vamos encontrar muitíssimas vezes em
São Paulo e São Pedro, bastante vezes em Hebreus, e nos dois escritos de São Lucas, nos demais livros, raramente: seis vezes nos escritos joaninos, uma vez em Judite. Não vamos entrar nos pormenores sobre a graça, mas é bom tornarmos
consciência de que Jesus prega com insistência sobre a paternidade e o amor de Deus;
o Pai Celeste mostra o seu amor a todos os homens, até aos pecadores. “Ouvistes que
foi dito: amarás teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu porém, vos digo: amai vossos
inimigos e orais pelos que vos perseguem, para serdes filhos de Vosso Pai que está nos
céus. Pois Ele faz nascer o sol para bons e maus e chover sobre justos e injustos”. (Mt. 5, 43-45). Somos justificados pela graça de Deus. São Paulo que havia experimentado na
sua própria vida o poder da graça divina e a importância da lei, era de modo especial
chamado para desenvolver a Teologia da Graça. Como todos os homens, tanto
judeus, como pagãos pecaram e estão privados da glória de Deus, eles são
justificados “gratuitamente”, pela sua graça, em virtude da redenção por Cristo. Vejam o que São Paulo diz: “Pois todos pecaram e todos estavam privados da glória de
Deus. Mas agora, são gratuitamente justificados pela graça, pela redenção em Jesus
Cristo. Deus o destinou para sacrifício da expiação dos pecados mediante a fé em seu
sangue. Assim queria manifestar a sua justiça. É que os pecados passados no tempo
presente, provando que ele é justo e que justifica quem tem fé em Jesus. (Rom. 3, 23- 26). São Pedro vai na mesma ótica de Paulo. A salvação que Cristo trouxe pela sua
morte de cruz e pela sua ressurreição é uma graça, um favor e Deus que é cheio de
benevolência e de misericórdia. Pedro fala da Ação de Graças: “Bendito seja Deus e Pai
e Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua grande misericórdia, nos regenerou para
uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dos mortos, para uma herança
incorruptível, incontaminada e imarcessível, reservada nos céu para vós.” (1 Pedro 1, 3-4).
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Como cristãos devemos entender; o Cristão nasceu para uma vida imperecível, tudo o que contribui para a vida e para a piedade é dado ao cristão pela virtude de
Deus ou de Cristo; a condição é que o cristão reconheça Deus (ou a Cristo) que o
chamou por sua própria glória e virtude. É pela graça que o cristão é chamado, é por
causa da graça que ele é favorecido com tudo o que é necessário para uma vida
piedosa, com os devidos dons da graça. O derradeiro fim desta vocação é a
participação da natureza divina. A comunhão com o Pai e o Filho: “O que vimos e
ouvimos, nós também vos anunciamos a fim de que também vós vivais em comunhão
conosco. Ora, nossa comunhão é com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos
escrevemos estas coisas para nossa alegria ser completa” ( 1 Jo 2, 3-4). O homem precisa de um nascimento do Alto, do espírito para entrar no Reino
de Deus ou na vida. Este nascimento, dá-se no batismo. Quem nasceu de Deus
guarda dentro de si a semente de Deus. Quem permanece n’Ele não peca e não pode
ser pecador. Isso não quer dizer que o renascido seja moralmente infalível, mas que
não peca e não pode pecar enquanto permanecer na comunhão com Deus e o pecado
é incompatível com o princípio de vida divina que ele tem em si. São João não fala na
impossibilidade de pecar, é evidente pelas admoestações dirigidas àqueles que se
julguem sem pecado, e pelas suas repetidas exortações para não pecar e para
permanecerem no amor de Cristo, no verdadeiro amor. “Que permaneça em vós o que
tentes ouvido desde o princípio. Se permanecer em vós o que ouvistes desde o
princípio, também vos permanecereis no Filho e no Pai: A promessa que nos fez é a
vida eterna” (1Jo 2, 24-25). Em outras palavras é permanecendo na graça que
herdaremos a Vida Eterna. Missão: Para entendermos o que representa a missão em nossas vidas, é
preciso conhecermos um pouco dos enviados de Deus ao longo da história. Vamos começar o nosso entendimento pelos profetas do Antigo Testamento: “Eu te envio...” essa palavra é central em toda vocação profética: a vocação de
Moisés – “E agora vai, que eu te envio ao Faraó para que libertes o meu povo, os
israelitas, do Egito (Ex 3, 10). “Desde o dia em que vossos pais saíram do Egito até
hoje, enviei-lhes todos os meus servos, os profetas, incansavelmente. (Jr 7, 25). A
vocação de Jeremias: “Antes mesmo de formar no ventre materno eu te conheci; antes
que nascesses, eu te consagrei e te constituí profeta para as nações” (Jr 1, 5). O povo
escolhido por Deus, Israel, é chamado a se tornar o povo-farol de toda humanidade. Assim também, se ele é depositário do plano da salvação, é com missão de fazer
participar os outros povos: desde a vocação de Abraão a ideia existia em germe, ela se
vai precisando À medida que a revelação melhor revela as intenções de Deus. “Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Com teu
nome serão abençoados todas as famílias da terra”. (Gn 12,3). O missionário por excelência, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, depois de João
Batista, o último e maior dos profetas no Antigo Testamento, mensageiro divino e
novo Elias anunciado por Malaquias. “... dentre os nascidos de mulher nenhum foi
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maior do que João Batista. E, no entanto, o menor no reino dos céus é maior do que
ele”. (Mt 11, 9). Jesus Cristo se apresenta aos homens como o Enviado de Deus por excelência. A parábola dos vinhateiros homicidas acentua a continuidade de sua missão com a dos
profetas, mas assinalando também a diferença fundamental dos dois casos: depois de
ter enviado seus servos, o Pai de família envia finalmente seu Filho (Mc 12, 2-8). Aquele que o enviou, isto é, o próprio Pai, que entregou tudo em suas mãos. “...quem
receber este menino em meu nome; é a mim que recebe; e quem me recebe, recebe
aquele me enviou. O menor de todos vós, esse é o maior”. (Lc. 9, 48). Todos os aspectos da obra redentora realizada por Jesus estão assim ligados a
missão que ele recebeu do Pai, desde a pregação na Galileia até o sacrifício da Cruz. No desígnio do Pai, essa missão conserva no entanto, um horizonte limitado; Jesus
não foi enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. (Mt. 15,24). É que estas
ao se converterem, devem tomar elas próprias a consciência da missão providencial de
Israel: dar testemunho de Deus e de seu Reino diante de todas as nações mundo. O
único desejo de Jesus é “fazer a vontade d’Aquele que o enviou” (Jo 4, 34; 6, 38), realizar as suas obras, dizer o que dele ouviu (Jo 9, 4; Jo 8, 26). Quanto à Paixão, consumação de sua obra, Jesus vê nela a sua volta para Aquele que o enviou (Jo 7, 33;
Jo 16, 5; Jo 17, 11). A fé que ele exige dos homens é uma fé na missão. Pela missão do
Filho aqui na terra se revelou, portanto, a nós homens um aspecto essencial do
mistério íntimo de Deus: o único enviando seu Filho, se deu a conhecer como Pai. Deus enviou seu Filho na plenitude dos Tempos para nos reunir e nos conferir a
adoção filial (Gl 4, 4; Rom. 8, 15). Deus enviou seu Filho ao mundo como salvador, como propiciação por nossos pecados, a fim de que vivamos por ele; essa é a prova
suprema do seu amor por nós (1 Jo 4, 9). Jesus é assim, o Enviado por excelência (Jo
9,7), o apóstolo de nossa profissão de fé (Hb 3, 1). A missão de Jesus se prolonga pela de seus próprios enviados, os Doze, que
justamente por essa razão trazem o nome de Apóstolos. Eles são os operários
enviados a messe pelo Senhor da mesma; são os servos enviados pelo Rei para trazer
os convidados às núpcias de seu Filho. “Enviou os criados para chamar os convidados
à festa mas eles não quiseram vir” (Mt. 22, 3). Os enviados não devem alimentar ilusões quanto à sorte que os aguarda: o
enviado não é maior que aquele que o envia (Jo 13, 16); como trataram ao Amo, assim
tratarão os servos (Mt 10,24). Jesus os envia como ovelhas no meio de lobos: Ele sabe
que a “geração perversa” irá perseguir os seus enviados e mata-los. Sejamos fiéis
Aquele que nos envia: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos rejeita a mim rejeita, e
quem me rejeita, rejeita Aquele que me enviou” (Lc 10, 16). Após, resumidamente, termos viajado sobre Vocação, graça e missão a partir
da Palavra no Antigo e no Novo Testamento, como aplicar tudo isso na sublime Missão
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com a família? De forma bem simples tentarei pontuar afirmando de primeira que o
Filho de Deus escolheu uma Família na terra. Portanto:
1) Que pensa Ele da família?
2) Que pede ou exige da Família?
3) Que dá Ele à Família?
Espero que ao respondermos as três perguntas, cada um se situe como está
vivendo a sua Vocação, graça e missão como família. 1) Que pensa, súdito de seus súditos – Um dia, aos 12 anos, no templo: “não
sabeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai? Como se ocupou? Até
os 30 anos dedicou-se ao trabalho, dócil e obediente, na família terrena. Mostrou, assim, que cada um deve começar sua vida cristã, sua
santificação, na família. A gente se ocupa de Deus, principalmente, quando se ocupa e se preocupa pelos deveres familiares. O Messias veio levantar um templo a Deus, aqui na terra. Este santuário
começou na família: a família é a raiz da humanidade, é a célula-mãe da sociedade, da sociedade e do Estado. O cristianismo nasceu na família, como a família deve seu
renascimento ao cristianismo. Podemos dizer que o primeiro fruto da árvore do
cristianismo foi a Sagrada Família. Com o exemplo de 30 anos em família, Jesus, mostra claramente a vontade de
Deus de que os homens vivam unidos na Família, esta é a vocação da família, a
unidade. De fato, Ele a santificou na humildade, no amor e, sobretudo, na obediência. São Vicente Ferrer contava que Nossa Senhora, de manhã cedo, tomava a ânfora (pote)
para buscar água na fonte: José segui-a, para segurar a ânfora, tomando-a da mão dela, mas o Menino Jesus intervinha: “Vou eu buscar água!” – Senhor, por que cumpres
estes trabalhos? Por que não se ocupam disso Maria e José?” Respondem: “Era o que
queríamos, mas Ele não permitiu!” Por que o Menino Jesus? – para que os meninos de
todos os tempos saibam que eu trabalho, e trabalhei ajudando os meus, em casa, antes de tudo... Mas, ademais, Cristo quis elevar a família à categoria sobrenatural, conferindo
a união entre o homem e a mulher o caráter sacramental, a fim de formar uma
família santa. É o pensamento divino por São Paulo: “Maridos, amai vossas esposas, como Cristo amou a Igreja e sacrificou-se por ela, a fim de purifica-la e santifica-la”
(Ef. 5, 25-26). A união e a paz nas famílias são consequências de uma vida de fé, de
esperança, e de amor, que se prolonga os efeitos sacramentais nos pais e nos filhos.
Isso é graça de Deus!
2) Que quer Jesus das Famílias?
2.1 - Do pai: que seja bom e fiel marido, bom e fiel pai. Que seja verdadeiro
chefe; que dê bom exemplo; que saiba rezar com os seus. São Nicolau de Flue
teve dez filhos e alternava o trabalho com a oração....
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2.2 - Da mãe: que seja sujeita a tudo o que é reto e justo: humilde e forte;
que seja mãe exemplar: dizem os sociólogos que, na história de todos os
tempos, a família foi sempre guardada e garantida pela mãe; ela é quem
caracteriza o bem ou mal, segundo seu próprio comportamento. “Mães
santas, famílias santas!”. 2.3 – Dos Filhos: um Padre por nome Mc Nabb, falando a um menino, aconselhou- a imitar Jesus para fazer-se santo. O menino disse: é impossível – Por que? – porque Jesus tinha que obedecer a Nossa Senhora e a São
José...mas, se tivesse que obedecer à minha mãe, e, pior, a meu pai, não sei, não... Certamente, em Nazaré, a obediência não devia ser difícil. Mas é preciso dizer
também hoje os adolescentes deve saber ver nos seus pais os representantes de Deus:
é numa visão sobrenatural de obediência que eles devem, e podem imitar a humildade
e a submissão de Cristo. Só assim obterão o prêmio prometido no decálogo: “Honra
teu pai e tua mãe, para que tenhas na terra uma longa vida”. E também acrescento, e
no céu uma vida eterna. 3). Que oferece Cristo à família? “ A porta da casa de uma família está ungida
com o sangue de Cristo”. Pelos merecimentos da Paixão de Cristo, não faltarão
alegrias terrenas e celestes. Na missão familiar, Cristo oferece coragem e força para vencer as dificuldades
e as preocupações; isso na oração em comum, na assistência a missa (também em
comum) e na recepção dos sacramentos (penitência e comunhão). Uma das grandes
promessas do Coração de Jesus: “Abençoarei as casas onde for exposta e venerada a
imagem do meu coração”. Cristo oferece ajuda e conforto: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor”
(Josué 24,15). E Deus não falou, socorrendo aquelas almas generosas. Socorre na
pobreza, na dor, na tribulação todas as famílias que se esforçam por seguir os
ensinamentos de Jesus no Evangelho. Só não as transformou no Céu porque o céu é
na outra vida. O sofrimento é herança do pecado original, a que estão sujeitos também às
famílias-modelo. Mas disse: “Vinde a mim, todos os que vos encontrais tristes e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Sim, Deus concede, aos homens de
boa vontade, paz e consolações espirituais. Deus oferece, enfim, tranquilidade e bênçãos, para este tempo e para a
eternidade. Mesmo sob o ponto de vista humano, verificamos que as famílias fiéis
são felizes, unidas e coerentes, sobrenaturalizando o amor e tornando-o duradouro. A fé, na vida futura ajuda a família cristã sentir-se unida, mesmo e sobretudo no luto, certa que haverá um reencontro de todos, na base das promessas daquele Senhor ao
qual se consagrou. Desejo votos de uma boa missão da família para todos os seus membros. Que
alcem graças divinas para suas


ABERTURA DA 23ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR
DO REGIONAL NE2
Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos
Tema: Em Família, "Pão em todas as mesas"
Lagoa Seca (PB), 05/11/2021
Amados irmãos,
Gostaria de
iniciar essa reflexão com vocês meditando um pouco o Salmo 22:
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes
prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as
forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome.
Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso
bordão e vosso báculo são o meu amparo. Preparais
para mim a mesa à vista de meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha
cabeça, e transborda minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de
seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por
longos dias."
Que mesa é esta que o Senhor, o Bom Pastor, prepara
para nós? É precisamente a mesa do banquete da eternidade, da qual
desfrutaremos um dia, na plenitude da vida, quando estivermos diante de Deus,
mas é que começa no hoje de nossas vidas.
Sim, meus irmãos, o banquete do céu, que foi preparado para
os filhos de Deus, cujo anfitrião é Ele mesmo, começa nesta vida e o Senhor vai
nos dando a graça de participar mesmo que ainda não de maneira plena.
Participamos deste banquete todas as
vezes que recebemos a Santa Eucaristia, presença real de nosso Senhor! É a
antecipação sacramental da festa da eternidade, do domingo sem fim que
viveremos na presença do Ressuscitado.
Mas também participamos desse
banquete através dos outros sacramentos. Por exemplo, o que é a confissão,
senão a festa do Pai Misericordioso que se alegre pelo filho que estava perdido
e foi encontrado, estava morto e tornou a viver?
O batismo é banquete da eternidade
pois naquele momento não é nossa cabeça que é lavada, mas nossa alma que se
torna limpa do pecado original e recebemos a veste nova de filhos de Deus, a
veste branca alvejada pelo sangue do Cordeiro que morreu e ressuscitou e nos
acolhe para participarmos de sua vida. A veste do banquete!
A unção dos enfermos é banquete de
eternidade pois nosso Senhor Jesus Cristo disse que quando fizermos uma festa,
convidemos aqueles pobres e sofredores, doentes e necessitados. Portanto, para
a festa preparada por Ele, esses são os primeiros convidados.
O sacramento da ordem é banquete de
eternidade uma vez que o Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo, nos concede
participar do Seu sacerdócio para trazermos Ele mesmo que é o pão da vida aos
seus convivas.
O matrimônio é banquete de eternidade
pois é prefiguração daquela união íntima e perfeita que as almas esposas
viverão com o Esposo, o Cordeiro de Deus. Diz o livro do apocalipse que a
Igreja resplandecerá como uma noiva vestida de linho puro, ornada e preparada
para o seu esposo. Essa é a festa que aguardamos e que pedimos em cada Santa
Missa: Maranatá! Vem, Senhor Jesus!
Assim, meus irmãos, quero lhes
mostrar que o Senhor tem algo grandioso para nós, uma festa na eternidade que
nunca se acaba. No entanto, Ele, que não está preso às contingências do tempo,
permite que participemos no hoje de nossas vidas, apesar de nossos pecados e de
nossa fragilidade, de Seu banquete, sobretudo através dos sacramentos pelos
quais vamos nos santificando. É que chamamos na teologia de o “já e ainda não”.
Já temos posse dessa realidade, mas ainda não plenamente.
Esse mistério deve causar em nós uma
grande alegria e gratidão por tão grande amor de Deus manifestado. E nossa
resposta deve ser precisamente de correspondência a esse amor.
Agora a pergunta é: como podemos
corresponder a esse amor de Deus que prepara uma mesa para nós?
A resposta é o próprio Jesus que nos
dá quando afirma que o maior mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas, de
todo coração e de toda alma, com todo entendimento e com todas as forças e o
segundo é amar ao próximo como a nós mesmos.
Estes dois mandamentos são como as
margens do caminho que devemos trilhar em direção a Deus. Não podemos sair
dessas margens, elas são o parâmetro para guiar nossa caminhada. E são
inseparáveis.
São João afirma até de uma maneira
dura na sua primeira carta que quem diz que ama a Deus a quem não vê, mas não
ama o irmão a quem vê, é mentiroso!
Portanto, a maneira de respondermos a
Deus por Seu Amor é amando a Ele e aos irmãos. Amar a Deus significa obedecer
Seus mandamentos, seguir Sua palavra e participar de Sua vida, deixando que a
vida dEle pulse em nós, entregando nosso coração a Ele a cada dia para que
somente Ele seja nosso Senhor.
E amar aos irmãos significa uma ter a
mesma atitude que Jesus teria para com todos. Amar os irmãos significa levar o
amor de Deus a cada um deles, levar a Palavra do Evangelho que transforma a
nossa vida, levar a força que vem dos sacramentos e também preparar para eles
uma mesa, como o Senhor prepara para nós.
Dentre os nossos irmãos, temos
aqueles que sofrem e passam necessidades das mais variadas ordens. Devem ser
esses os nossos primeiros “convidados para a festa”.
Não podemos fechar nossos olhos e
ficarmos indiferentes ao sofrimento dos nossos semelhantes, principalmente
àqueles que não têm sequer o básico para sobreviver. São muitos irmãos nossos
que não têm o pão de cada dia.
Não quero adentrar aqui em reflexões
sociológicas das causas desses problemas, mas chamar atenção para nossa atitude
cristã. Não podemos dizer que amamos a Deus se não fazemos nada para socorrer
tantas famílias que não têm o alimento para si e para seus filhos, que não têm
condições básicas de moradia, de higiene, de acesso à educação e ao trabalho.
Sempre os cristãos foram
identificados por socorrer os irmãos, inclusive aqueles que não professam a
mesma fé que nós. Quando se tem necessidade não se faz distinção. A fome é do
cristão e do não cristão!
Nos primeiros séculos da Igreja,
narram os historiadores, que os pagãos de Roma ficavam impressionados ao verem
o amor com que os cristãos tratavam os pobres, os doentes, as viúvas, os
órfãos, os presos e os excluídos. Isso lhes causava admiração e foi causa de
conversão de muitos, pois diziam: vejam como eles se amam! Isso mesmo, meus
irmãos, o amor dos cristãos pelos semelhantes era manifestado de tal forma que
era testemunho e levava muitas outras pessoas a seguirem Jesus.
Infelizmente o contrário também
existiu e existe: quando somos identificados como cristãos, mas nossas atitudes
para com o próximo são de indiferença, isso causa um escândalo e é motivo para
que outras pessoas não sigam Jesus. Quanto a isso iremos receber um julgamento
severo, pois disse Jesus que seria melhor que se amarrasse uma pedra de moinho
no pescoço e se lançasse no fundo do mar do que causar um escândalo!
A Igreja Católica é a maior
instituição caritativa do planeta! São milhares de obras realizadas ao longo
dos séculos em socorro dos irmãos, em todas as partes do mundo. São orfanatos e
asilos, hospitais e escolas, enfim, incontáveis expressões da caridade.
Em nossa Diocese, por exemplo, me
sinto muito feliz quando vejo as iniciativas dos padres, dos diáconos e dos
leigos em levar o pão aos irmãos. São muitas pessoas nas diversas paróquias dos
61 municípios de nosso território que trabalham de dia e de noite para socorrer
os mais necessitados. E o mais interessante é que as pessoas que mais se
dedicam a esse trabalho são as que mais procuram aumentar o alcance dessas
ações. Para essas almas caridosas, nunca é suficiente, nunca está bom, sempre
tem que melhor, sempre tem que avançar. É a ousadia dos santos! Eles não se
acomodam, não buscam conforto, mas a glória de Deus e o bem dos irmãos.
Madre Tereza de Calcutá foi
perguntada por um repórter porque ela insistia em fazer aquilo pelos pobres se
ela sabia que a pobreza do mundo não ia acabar e que o que ela fazia era apenas
uma gota d´água no oceano e ela responde: mas sem essa gota d´água o oceano
seria menor!
Meus irmãos, não somos nós que
devemos calcular, medir e pesar o alcance e o valor do nosso trabalho, essa
parte fica com Deus! Nossa parte é dar o melhor de nós, fazer todo esforço para
que os sofrimentos das pessoas sejam aliviados, numa atitude evangélica, por
causa de Jesus, por amor a Ele!
Irá acontecer em Recife no próximo
ano o XVIII Congresso Eucarístico Nacional e o tema é justamente esse que
estamos refletindo: “Pão em todas as mesas”. Essa motivação chama atenção para
o vínculo inseparável da Eucaristia com a caridade fraterna. Ou seja, quem
comunga o pão do céu que é Jesus, para se parecer mais com Ele, deve também
levar o pão material aos irmãos.
A Eucaristia que celebramos, que
comungamos, que adoramos, pois é presença real de nosso Senhor, deve nos mover
a preparar uma mesa para os nossos irmãos, tanto uma mesa espiritual como uma
mesa material para os que dela precisam.
Nós temos uma experiência muito forte
aqui em Campina Grande. Por ocasião do dia mundial do pobre, nós realizamos no
centro da cidade, no meio da rua, no meio da feira central, um momento com os
moradores de rua. Celebramos a Santa Missa e em seguida partilhamos um jantar
com eles. Sentamos à mesa, conversamos, partilhamos a vida, damos risada,
comemos e agradecemos a Deus.
Os testemunhos são muitos. Alguns nos
dizem: fazia muito tempo que eu não me sentava numa mesa para comer. Outros
dizem: eu nunca tive um jantar assim!
Interessante é que quando estamos
sentados, conversando, o Bispo, os padres, a equipe que prepara o momento e
eles, não se fala tanto em problemas e em dificuldades, mas os assuntos são de
alegria, são brincadeiras sadias, é um momento de alegria. A caridade tem essa
força de extrair alegria mesmo das situações mais tristes!
O Papa Francisco nos lembra que
muitas pessoas vivem em “periferias existenciais”. Isso amplia nosso olhar para
perceber que os irmãos necessitados de nosso amor-caridade não estão só nas
periferias geográficas. Ou seja, existe também a necessidade de outro pão.
Podemos citar como exemplo uma
necessidade de muitas pessoas hoje, principalmente dos jovens e dos idosos:
serem ouvidos. Muitas pessoas estão com doenças psicossomáticas, porque não são
ouvidas. A palavra mais falada no nosso tempo é “ansiedade”. Isso tem
maltratado muito o coração das pessoas. E nós podemos fazer a nossa parte,
dedicando um pouco do nosso tempo a ouvir. Renunciando, por exemplo, um pouco
do celular e das redes sociais, para ouvirmos as pessoas que estão precisando
de nós.
O hino do Congresso Eucarístico diz:
“na partilha seremos para o mundo, estandarte da Eucaristia”. Isso significa
que quanto mais amor aos irmãos expresso em nossa caridade, nós tivermos, tanto
mais seremos testemunhas da Eucaristia que celebramos.
No livro dos atos dos Apóstolos vemos
o testemunho da Igreja primitiva: os cristãos tinham tudo em comum, partilhavam
seus bens com alegria, era unânimes na oração, na celebração da Eucaristia e na
caridade.
A Igreja não mudou! Somos o mesmo
povo de Deus de Pentecostes! Portanto, nossa atitude deve ser a mesma.
Quando a Virgem Maria recebeu o
anúncio do Anjo Gabriel que seria a Mãe do Salvador, após responder com amor a
Deus, sua primeira atitude foi de partir apressadamente para servir sua prima
que estava necessitada. Cheia do Espírito Santo, a atitude de nossa Senhora foi
de caridade!
Que Ela nos ajude, a recebermos o
Espírito Santo e que Ele nos impulsione a leva o amor de Deus aos irmãos
através de atitudes concretas em nossa vida: preparar para todos um banquete!
Muito obrigado pela atenção de todos!


ABERTURA DA 22ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR
DO REGIONAL NE2
Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos
Tema: A Palavra
de Deus na vida da família.
Campina Grande, 06/11/2020
Estimados
irmãos e irmãs, que a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo
estejam com todos. Saúdo e acolho cada um de vocês para esta 22ª Assembleia da
Pastoral Familiar do nosso Regional Nordeste 2. De maneira extraordinária, nos
encontramos pela modalidade virtual, mas de igual modo estamos unidos pelo
vínculo de Cristo e pelo desejo único de tornar a nossa atuação pastoral sempre
eficaz, evangelizadora e transformadora.
Acolho
os irmãos e irmãs agentes da pastoral familiar do Estado de Alagoas, do
Pernambuco, do Rio Grande do Norte, especialmente aqui da Paraíba, e de modo
mais particular os da minha Diocese de Campina Grande. Acolho o Pe. José
Ediberto, referencial para Pastoral Familiar do regional. Desejo que os
momentos oferecidos por esta assembleia sejam bem aproveitados e gerem em nós a
esperança em meio aos difíceis tempos que enfrentamos.
Em
nossa 55ª Assembleia de Pastoral da CNBB Regional Nordeste 2 a Palavra de Deus
foi posta como pilar da vida eclesial do nosso Regional, em perfeita comunhão
com a Assembleia Geral da CNBB e suas diretrizes evangelizadoras. Deste modo, a
mesma Palavra de Deus será o coração da missão da Pastoral Familiar, a ser
refletida nesta assembleia pelo tema: “Bem-aventurados, antes, os que ouvem a
Palavra de Deus e a guardam” (Lc 11,28).
Por
ocasião do Concílio Vaticano II, em sua constituição dogmática sobre a
Revelação Divina – Dei Verbum – a
Igreja declara que “[...] é tão grande o poder e a eficácia encerrados na
Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja, e, para
seus filhos, firmeza na fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida
espiritual” (DV 16). Em primeiro lugar, é preciso ter consciência clara de fé
que a Palavra de Deus, antes de tudo, é uma pessoa, Jesus Cristo, o seu próprio
Filho, a Palavra Eterna, o Verbo que se fez carne e, assumindo a nossa
condição, habitou entre nós. Dito isto, todas as vezes que se fala da Palavra
de Deus na vida da família, é preciso igualmente afirmar que cada um dos
membros de um seio familiar, e a família como um todo, é convidada a fazer uma
experiência de fé pautada no encontro e numa experiência autêntica, profunda e
concreta com a pessoa de Jesus Cristo. Só em Cristo a família descobre o seu
real significado, recobra o seu sentido e encontra o rumo quando desnorteada.
Contudo,
bem sabemos que a Bíblia Sagrada é a composição escrita desta duradoura e forte
Palavra divina, de modo que ela se torna a regra de vida para todo cristão,
critério de discernimento de nossas escolhas segundo a vontade de Deus e fonte
espiritual para cada um de nós. De modo mais perfeito, a família é lugar
privilegiado para o cultivo, vivência e celebração da Palavra de Deus, à medida
em que se torna locus propício para
que a vontade divina se realize plenamente. O Papa Francisco na sua exortação
apostólica Amoris Laetitia, sobre a
alegria do amor na família, diz que “a Palavra de Deus é não só uma boa-nova
para avida provada das pessoas, mas também um critério de juízo e uma luz para
o discernimento dos vários desafios que têm de enfrentar os cônjuges e as
famílias” (AL 227).
Na
certeza de que “a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela,
[...] o povo de Deus encontrou sempre nela sua força e, também hoje, a
comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de
Deus (VD 3), do mesmo modo a família – que hoje enfrenta diversos desafios externos,
mas também os que brotam da intimidade da convivência – necessita cada vez mais
ter a clara e necessária certeza provinda da sapiência bíblica, que se dirige a
Deus e afirma: “Tua Palavra é a lâmpada para meus pés, e luz para o meu
caminho” (Sl 119,105).
Estimados
pais e mães de família, queridos filhos e filhas, todos os que compõem a
realidade familiar, olhem para a Palavra de Deus não como uma bibliografia de
consulta entre tantas, não como uma letra morta, não como um livro de história
mal contada, não como texto exclusivo para as celebrações litúrgicas, não como
livro que se abre na estante ou se guarda na gaveta, não como um escrito de
interpretação subjetivista, antes, olhem para a Sagrada Escritura como prova de
amor de um Deus que se dirige a nós falando a nossa linguagem e deixando para
os seus filhos o testamento de sua vontade e como verdade e caminho da
salvação.
O
apóstolo Paulo, em sua segunda carta a Timóteo exorta que “toda Escritura é
inspirada por Deus” (2Tm 3,16), e nesta certeza de sua origem divina, Paulo
indica sua utilidade, que podemos aplicar tranquilamente à realidade familiar:
“[...] útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça,
a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda obra” (2Tm
3,16-17). Por isso, que a Palavra de Deus é princípio que demarca a cadência da
vida familiar em suas dores e alegrias.
Ao
falar sobre a Igreja nas casas, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da
Igreja no Brasil, apresenta o pilar da Palavra como essencial. Nisto, destaca
que o testemunho dos Atos dos Apóstolos relata que a comunidade cristã se
concentrava nas casas como lugar característico da reunião. Eram nas casas e,
portanto, nas famílias que a Igreja deu seus primeiros passos. Era em família
que “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão
fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42). Desde a gênese da Igreja de
nosso Senhor Jesus Cristo, as famílias constituem-se como lugar do encontro com
a Palavra de Deus.
O
autor da carta aos Hebreus afirma que “a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais
penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma e
espírito, juntas e medulas. Ela julga as disposições e as intenções do coração”
(Hb 4,12-13). É preciso resgatar esta eficácia dos frutos provindos do cultivo
da Palavra de Deus na família, é preciso redescobrir a vivacidade que dela
brota para a vida familiar. De que modo isso pode acontecer?
1)
Na Liturgia, a Palavra de Deus ocupa lugar de máxima importância, de tal modo
que nenhuma celebração na Igreja deixa de lado a proclamação e meditação da
Sagrada Escritura. Em razão disso, a dinâmica litúrgica da vida eclesial,
especialmente as assembleias dominicais – celebração semanal do Mistério Pascal
– se apresentam como oportunidades singulares das famílias se reunirem para
escuta da Palavra, encontrando como frutos o crescimento espiritual, o ânimo
para vida e para o testemunho cristão, o estreitamento do vínculo de pertença
comunitária e o discernimento de regras práticas evangélicas para a vida. Como
é bonito ver, sempre que possível, a família que junta e atenta se dispõe a
escutar as leituras proclamadas e em seguida refletidas nas missas de domingo.
2)
O cultivo perseverante de momentos de oração e espiritualidade em família devem
ter sempre presente a Palavra de Deus. A oração familiar deve ser caracterizada
como oração com a Palavra, especialmente através do aprofundamento e da reta
acuidade da vontade de Deus nela revelada, tendo em vista a possível vivência
de conflitos internos, desentendimentos, mágoas e distanciamento. O desejo é de
que a Palavra de Deus se torne palavra da família, instrumento de maior
diálogo, de mais transparência e máxima maturidade humana e espiritual. Um
método muito proveitoso para fazer da Palavra de Deus o coração da oração
familiar é a Lectio Divina, a leitura
orante da Bíblia. Como nos diz o Papa Bento XVI na exortação Verbum Domini: “a inteligência das
Escrituras exige, ainda mais do que o estudo, a intimidade com Cristo e a
oração” (VD 86).
3)
Não podemos esquecer do estudo aprofundado da Sagrada Escritura, que oferece às
famílias um conhecimento mais seguro e, consequentemente, um amor mais acurado
sobre a Palavra de Deus. Isso resulta no amadurecimento da fé e na estabilidade
em sua defesa e mais perfeita vivência. Por isso, vale destacar a necessidade
de se renovar os estudos bíblicos em todas as comunidades eclesiais
missionárias, bem como em nível diocesano e regional.
5)
As reuniões, encontros e celebrações dominicais das comunidades em que estão
inseridas as famílias devem ser ancoradas na Sagrada Escritura, especialmente
quando da ausência do ministro ordenado. A comunidade e toda a sua dinâmica
deve ser espaço para o encontro com a Palavra de Deus, que muda a vida e dá o
devido sentido de ser, agir, pensar e sentir da família segundo Jesus Cristo.
4)
A Palavra de Deus deve ser o parâmetro de toda a atuação da Pastoral familiar
em suas etapas, estruturas e situações, e ser esta mesma Palavra o ânimo dos
seus responsáveis, como bem indicou a Exortação Apostólica Familiareis Consortio, de São João Paulo II. Como pastoral de ampla
evangelização, deve ter como certeza que só há verdadeira evangelização quando
se parte da Palavra de Deus, como nos diz o Papa Francisco ainda na Amoris Laetitia: “Toda a pastoral
familiar deverá deixar-se moldar interiormente e formar os membros da igreja
doméstica, através da leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura” (AL 227).
Por
fim, como demonstrou a história da Igreja em seus dilemas, a reta vivência e
interpretação da Sagrada Escritura se dá no seio da Igreja. Fora da Igreja nos
tornamos passíveis de maiores erros na compreensão da verdade revelada. O mesmo
se aplica às famílias: é junto da Igreja, na pertença à comunidade, na união
mística com o Corpo de Cristo que a família sente-se verdadeiramente fortalecida
pela escuta da Palavra. Nos diz o Papa São João Paulo II na sua exortação
apostólica sobre a missão da família cristã no mundo de hoje: “É antes de tudo
a Igreja Mãe que gera, educa, edifica a família cristã, operando em seu favor a
missão de salvação que recebeu do Senhor. Com o anúncio da Palavra de Deus, a
Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve
ser segundo o desígnio do Senhor” (FC 49).
Bem-aventura
é a família que apegada à Palavra de Deus a ouve e, não obstante às limitações,
procura fazer dela regra de vida. Concluo esta minha breve palestra de abertura
desta assembleia consagrando todos os nossos trabalhos à Virgem Maria, ela que,
na ocasião de uma festividade familiar, isto é, nas bodas em Caná, pediu que
escutássemos todos a Palavra de seu Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo
2,5). Meu apoio constante como referencial da Comissão Regional Pastoral para a
Vida e Família, e minha bênção de pastor.


PALAVRA DE ABERTURA NA 21ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA PASTORAL FAMILIAR
Caicó, 15 de novembro de 2019
Eucaristia: alimento
das famílias
Ao ser-me solicitado pelos
organizadores deste evento falar como a Eucaristia alimenta as família, creio
que esta temática seja muito mais que pertinente, até porque a Eucaristia, na
vida do cristão, é um elemento insubstituível, um elemento essencial. Para
tanto, dividiremos esta nossa reflexão em dois momentos: no primeiro, ao tomar
um texto do Antigo Testamento, do Livro de Josué, mais exatamente, quero
questionar acerca da opção fundamental da família e de seus integrantes;
posteriormente, tomando os Atos dos Apóstolos, o Novo Testamento portanto,
acenaremos o despertar da consciência da família para a fé e para tudo o que
ela trás, inclusive a realização da família na vida ativa da Igreja, e, a
partir desta vivência (uma vivência eucarística), como deve se nortear no
mundo, na sociedade.
Tomemos
o primeiro texto: Leitura do livro de Josué (24,1-18): "Josué convocou a
Siquém todas as tribos de Israel, seus anciãos, seus chefes, seus juízes e seus
oficiais. Eles apresentaram-se diante de Deus, e Josué disse a todo o povo:
'Eis o que diz o Senhor, Deus de Israel: Outrora, vossos ancestrais, Taré, pai
de Abraão e de Nacor, habitavam além do rio e serviam a deuses estrangeiros.
Tomei vosso pai Abraão do outro lado do Jordão e conduzi-o à terra de Canaã.
Multipliquei sua descendência e dei-lhe Isaac, ao qual dei Jacó e Esaú, e dei a
este último a montanha de Seir; Jacó, porém, e seus filhos desceram ao Egito.
Depois mandei Moisés e Aarão e feri o Egito com tudo o que fiz no meio dele; e,
em seguida, vos tirei de lá. Fiz sair vossos pais do Egito e, quando chegastes
ao mar, os egípcios perseguiram vossos pais com carros e cavaleiros até o mar
Vermelho. Os israelitas clamaram ao Senhor, o qual pôs trevas entre vós e os
egípcios, e fez vir o mar sobre eles, cobrindo-os. Vistes com os vossos olhos o
que fiz aos egípcios, e depois disso habitastes muito tempo no deserto.
Conduzi-vos em seguida à terra dos amorreus, que habitavam além do Jordão. Eles
combateram contra vós, mas eu os entreguei em vossas mãos; tomastes posse de
sua terra e eu os exterminei diante de vós. Balac, filho de Sefor, rei de Moab,
combateu contra Israel. Mandou chamar Balaão, filho de Beor, para vos
amaldiçoar. Mas eu não quis ouvir Balaão, e ele teve de vos abençoar; e
tirei-vos da mão de Balac. Passastes o Jordão e chegastes a Jericó. Combateram
contra vós os homens dessa cidade, bem como os amorreus, os ferezeus, os
cananeus, os hiteus, os gergeseus, os heveus e os jebuseus, e eu os entreguei
todos nas vossas mãos. Mandei adiante de vós vespas que expulsaram os dois reis
dos amorreus, não com a vossa espada, nem com o vosso arco. Desse modo, dei-vos
uma terra que não lavrastes, cidades que não construístes, onde agora habitais,
vinhas e oliveiras que não plantastes, das quais comeis agora os frutos. Agora,
pois, temei o Senhor e servi-o com toda a retidão e fidelidade. Tirai os deuses
que serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi o Senhor. Porém, se
vos desagrada servir o Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos
deuses, a quem serviram os vossos pais além do rio, se aos deuses dos amorreus,
em cuja terra habitais. Porque, quanto a mim, eu e minha casa serviremos o
Senhor'. O povo respondeu: 'Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir
outros deuses. O Senhor é o nosso Deus, ele que nos tirou, a nós e a nossos
pais, da terra do Egito, da casa da servidão; e que operou à nossa vista
maravilhosos prodígios e guardou-nos ao longo de todo o caminho que
percorremos, entre todos os povos pelos quais passamos. O Senhor expulsou
diante de nós todas essas nações, assim como os amorreus que habitam na terra.
Nós também, nós serviremos o Senhor, porque ele é o nosso Deus'".
Situemo-nos
no texto ora proclamado. O povo de Israel, após uma longa jornada de quarenta
anos, deserto à fora, acabava de chegar na Terra Prometida, àquela que havia
sido chamada de "Terra de onde brota leite e mel" (cf. Ex 33,3).
Cansados, porém animados, aquelas pessoas estavam diante do novo, da ânsia em
se estabelecerem ali, abraçando para si aquele que era projeto divino, um plano
de amor, que se transformou em vocação para Moisés e, a partir deste, para uma
coletividade.
Chegados
porém, são rememorados pelo novo patriarca Josué (que havia recebido do próprio
Deus as palavras que lhes diria), numa espécie de discorrimento histórico, o
que na Teologia denominamos "anamnese". E do que são relembrados? Da fidelidade
de Deus naquele empreendimento exigente, tanto para o povo na sua limitação,
quanto para Deus no Seu imensurável amor. Diante de um povo sofrido, mas de
"cabeça dura" (cf. Ex 33,5) e de coração dividido. Creio que este
seja um retrato de muitas das famílias de hoje, provenientes do deserto
perigosíssimo, traiçoeiro e exigente do mundo. Muito embora as roupas dos
israelitas não se desgastaram, tampouco as suas sandálias (cf. Dt 29,5), as
nossas famílias correm sério risco de peregrinarem sob a exaustão, sob o sol
causticante do fulgor impiedoso das ondas do modernismo, inclusive da
velocidade das informações, do isolamento, enfim, de tantas e tantas situações
desagradáveis que provocam o descaimento da família, pequeno núcleo do povo de
Deus, mas, sempre querido por Ele.
Resgatada
pelo Senhor do feroz deserto deste mundo, e não, simplesmente, conduzida por
Moisés ou por Josué, mas pelo próprio Deus, na pessoa de Sua Igreja, a família
cristã é, libertada e prestes a pré-degustar da plenitude da verdadeira terra
de onde brota leite e mel, o Céu pelo Banquete Eucarístico, indagada,
seriamente: - Família, a quem quereis servir? A resposta poderá vir pronta.
Quem sabe até como muitos daqueles que escutavam Josué. A correspondência
deverá, entretanto, ser sincera e consciente. E muito mais do que uma resposta
com data de expiração, deverá ser um sério programa de vida a ser abraçado por
todos os membros, por todos os seus integrantes: - Eu e minha casa, serviremos
o Senhor. E, mesmo entre percalços, mesmo sob tentações variadas que sugere o
abandono do ideal do serviço ao Senhor, serviço que não deve comportar rivais
para Deus.
Convido-os,
meus caros, a que passemos a um outro pensamento: clara a convicção, como fruto
de uma conversão coletiva, conversão esta que nunca deve ser finalizada ou
interrompida, uma convicção, uma conversão de toda a família, que não dispensa
nenhum de seus membros, é preciso que ela dê um outro passo: o de abeirar-se da
vida da Igreja, inclusive dos seus Sacramentos. Para tanto, desejo ler com
vocês um texto dos Atos dos Apóstolos, ou seja, já do Novo Testamento
(16,14-34): "Uma mulher, chamada Lídia, da cidade dos tiatirenos, vendedora
de púrpura, temente a Deus, nos escutava. O Senhor abriu-lhe o coração, para
atender às coisas que Paulo dizia. Foi batizada juntamente com a sua família e
fez-nos este pedido: 'Se julgais que tenho fé no Senhor, entrai em minha casa e
ficai comigo'. E obrigou-nos a isso. Certo dia, quando íamos à oração, eis que
nos veio ao encontro uma moça escrava que tinha o espírito de Pitão, a qual com
as suas adivinhações dava muito lucro a seus senhores. Pondo-se a seguir a
Paulo e a nós, gritava: 'Estes homens são servos do Deus Altíssimo, que vos
anunciam o caminho da salvação'. Repetiu isto por muitos dias. Por fim, Paulo
enfadou-se. Voltou-se para ela e disse ao espírito: 'Ordeno-te em nome de Jesus
Cristo que saias dela'. E na mesma hora ele saiu. Vendo seus amos que se lhes
esvaecera a esperança do lucro, pegaram Paulo e Silas e levaram-nos ao foro, à presença
das autoridades. Em seguida, apresentaram-nos aos magistrados, acusando: 'Estes
homens são judeus; amotinam a nossa cidade e pregam um modo de vida que nós,
romanos, não podemos admitir nem seguir'. O povo insurgiu-se contra eles. Os
magistrados mandaram arrancar-lhes as vestes para açoitá-los com varas. Depois
de lhes terem feito muitas chagas, meteram-nos na prisão, mandando ao
carcereiro que os guardasse com segurança. Este, conforme a ordem recebida,
meteu-os na prisão inferior e prendeu-lhes os pés ao cepo. Pela meia-noite,
Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros os
escutavam. Subitamente, sentiu-se um terremoto tão grande que se abalaram até
os fundamentos do cárcere. Abriram-se logo todas as portas e soltaram-se as algemas
de todos. Acordou o carcereiro e, vendo abertas as portas do cárcere, supôs que
os presos haviam fugido. Tirou da espada e queria matar-se. Mas Paulo bradou em
alta voz: 'Não te faças nenhum mal, pois estamos todos aqui'. Então, o
carcereiro pediu luz, entrou e lançou-se trêmulo aos pés de Paulo e Silas.
Depois os conduziu para fora e perguntou-lhes: 'Senhores, que devo fazer para
me salvar?'. Disseram-lhe: 'Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua
família'. Anunciaram-lhe a Palavra de Deus, a ele e a todos os que estavam em
sua casa. Então, naquela mesma hora da noite, ele cuidou deles e lavou-lhes as
chagas. Imediatamente foi batizado, ele e toda a sua família. Em seguida, ele
os fez subir para sua casa, pôs-lhes a mesa e alegrou-se com toda a sua casa
por haver crido em Deus."
Nesta
passagem, temos dois exemplos de famílias, outrora transeuntes pelas sendas
'desérticas' do mundo, que abraçaram a fé mediante o anúncio de Paulo e Silas.
E, no segundo caso apresentado pelos Atos dos Apóstolos, um demonstrativo mais
esboçado, mais descritivo de um lar que opta por Deus, abrindo-se à fé,
norteando-se por aquilo que escolheu, ou mesmo por aquilo a que foi escolhido
"Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi e vos
designei" (Jo 15,16). Do medo à fé, o carcereiro de Filipos e a sua
família abraçam o Cristo, ao que se permitiram abraçar por Ele. E vejam como é
encerrada a cena: com a ceia. Entretanto, não um simples jantar, mas a ceia do
ágape fraterno, a Eucaristia.
Encarando
a Igreja como uma grande casa, onde a família de Deus se reúne, entendemos a
importância da Eucaristia como “lugar” onde a fé dos filhos da Igreja é
alimentada através dos divinos alimento e bebida, através do Corpo e Sangue de
Jesus, portanto. Sim, a Igreja é Mãe porque Deus é Pai. E por gerar-nos e
zelar-nos na fé, sem prejuízo algum, comparativamente, dizemos: a “Domus Ecclesiae” (a Casa da Igreja) é
nosso lugar.
A
Igreja deve ser família onde também as famílias se encontram. Igreja: família
de famílias; família de Cristo composta por famílias que têm Cristo como o seu
eixo. “Nos Evangelhos, a assembleia de Jesus tem a forma de uma família, e
de uma família hospitaleira, não de uma seita exclusiva, fechada […] Os
próprios discípulos são eleitos para cuidar desta assembleia, desta família dos
hóspedes de Deus” (Francisco: Audiência
Geral, 09 de setembro de 2015). Creio que, com este sublinhar do Papa
Francisco acerca da tarefa que os discípulos de Jesus, os seus Apóstolos,
possuem, é que nós, imerecidos pastores da Santa Igreja, entendemos a curatela
que nos é cabida no lidar com as famílias. Por sermos pastores da grande
“família de Deus” (cf. Ef 2,19), igualmente nos urge o dever de assistir às
famílias. Não um assistir no transitivo direto, como espectadores, mas com o
verbo no transitivo indireto, que inculca a ideia de socorro, de proteção.
Velemos pelas famílias com o mesmo ardor que velamos as paróquias, as dioceses,
porque o contexto familiar lhes é integrante: “a família e a paróquia são os dois lugares onde se realiza aquela comunhão de amor
que encontra a sua derradeira fonte no próprio Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de
2015). Logo, se nos preocupa como vivem as famílias, se no amor, se em Deus,
estaremos prezando por sua origem, meio e destino.
As famílias são chamadas à grande
família Igreja para, alimentadas pela Eucaristia, entenderem-se na sua missão
no mundo, para unir os seus membros, formando, assim, uma verdadeira comunhão
de amor entre os seus componentes. E mais: a Eucaristia alimenta as virtudes
peculiares e necessárias às famílias cristãs. Por isso, é que o Papa São João
Paulo II, na Exortação Apostólica Familiaris
Consortio, associa a Eucaristia e família com as seguintes palavras: “A
Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico,
de fato, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada
com o sangue da sua Cruz. Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os
cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente plasmada e
continuamente vivifica a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício
do amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é a fonte de caridade. E, no dom
eucarístico da caridade, a família cristã encontra o fundamento e a alma da sua
‘comunhão’ e ‘missão’: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da comunidade
familiar um único corpo, revelação e participação na mais ampla
unidade da Igreja, a participação, pois, no Corpo ‘dado’ e no Sangue
‘derramado’ de Cristo, torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário e
apostólico da família cristã” (n. 57).
É a partir do fulgor da Eucaristia,
celebrada pelas famílias cristãs como nobilíssimo evento, que as outras
dimensões de um lar são iluminadas. No descanso, no lazer, na convivência, e,
depois, também no trabalho, nos estudos e nos demais afazeres, a celebração
dominical dos divinos mistérios na Santa Missa deverá nortear a vida dos
integrantes desta proto-sociedade vital denominada família. Tecendo sobre a
santificação do Dia do Senhor, o Domingo, Sua Santidade, São João Paulo II,
também observa: “Se a participação na Eucaristia é o coração do domingo, seria,
contudo, restritivo reduzir apenas a isso o dever de ‘santificá-lo’. Na
verdade, o dia do Senhor é bem vivido se todo ele estiver marcado pela
lembrança agradecida e efetiva das obras de Deus. Ora, isto obriga cada um dos
discípulos de Cristo a conferir, também, aos outros momentos do dia passados
fora do contexto litúrgico – vida de família, relações sociais, horas de diversão
–um estilo tal que ajude a fazer transparecer a paz e a alegria do Ressuscitado
no tecido ordinário da vida. Por exemplo, o encontro mais tranquilo dos pais e
dos filhos pode dar ocasião não só para se abrirem à escuta recíproca, mas
também para viverem juntos algum momento de formação e de maior recolhimento”
(Carta Apostólica Dies Domini, 52).
Pela Eucaristia, as famílias se
compreendem como Belém, cujo nome significa 'Casa do Pão', do Pão-Cristo. E,
pela oração em família, principalmente quando da bênção da mesa, onde o
alimento e a vida são partilhados entre os membros do lar e, pela espiritualidade
na sua dimensão vertical, com Deus; quem sabe até trazendo, em continuidade,
para dentro de casa, a presença de Cristo, Palavra encarnada no Pão
Eucarístico. Pela Eucaristia, as famílias igualmente se identificam como
Nazaré, onde o próprio Deus Se integra, convive conosco. Daí é que o Papa São
Paulo VI, em sua visita a Nazaré, no ano de 1964 - o primeiro pontífice que,
depois de muitos séculos, visitou a Terra Santa -, disse: "Nazaré é a
escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho.
Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão
profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão
bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.
Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo".
Seja Jesus presente, pela Eucaristia que a família recebe ao menos aos
domingos, em cada lar. E, como na casa de Pedro, em Cafarnaum, cure a todos
(cf. Mc 1,29-31; Lc 4,38-41; Mt 8,14ss.). E, por fim, pela consciência
eucarística, as famílias devem se identificar com Jerusalém, lugar de entrega,
de imolação, de alegria, de amor, tal como o Calvário, a Ressurreição e
Pentecostes nos inspiram.
“Uma mulher sábia edifica a sua
casa” (Pr 14,1). Muito embora a Escritura assim garanta, não deve recair apenas
sobre a mãe de família ou sobre as outras mulheres do lar o dever de santificar
a sua casa, a sua família; esta atenção deve ser praticada por todos: pais e
mães, filhos e filhas. A Eucaristia deve eivar as famílias, e, nisto
santificá-las. Que aprendendo com a Sagrada Família, que tinha o Templo e as
suas obrigações religiosas como necessidade de seu lar, as nossas famílias se
primem para, na frequência à Igreja, alimentando-se da Eucaristia, inserir-se
na comunidade de amor, a grande família de Deus, e, da mesma Igreja, se sintam
responsabilizados.
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Campina Grande e
Referencial da Pastoral Familiar
PALAVRA DE ABERTURA PARA A 20ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA PASTORAL VIDA E FAMÍLIA
(Maceió, 16 de novembro de 2018)
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Campina Grande - PB
FAMÍLIA: SOIS A ESPERANÇA DA IGREJA E DO MUNDO
É inevitável tratar desta temática não tendo como base o que
o Apóstolo São Paulo – que muito exorta a uma sadia convivência familiar –
escreve à comunidade de Roma, como imperativo: “Sede alegres na esperança,
pacientes na tribulação e perseverantes na oração” (Rm 12,12). Este recado,
longe de ter ficado no passado, é uma ordem que muito encoraja as famílias
cristãs, especialmente as da ‘hora atual’.
A partir do que anima São Paulo, como profetiza dos nossos
tempos, a Igreja de Cristo, por meio do seu Magistério, muito tem apontado para
situações periclitantes que exigem da família as virtudes, dentre elas, a da
esperança. Os Papas muito têm se debruçado sobre os desafios, não na crítica
pela crítica, mas assinalando tempos novos, soluções que são passíveis ao
esforço dos membros da Igreja doméstica. Nesta ocasião, trago a luz o que o
Romano Pontífice, Papa Francisco, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Amoris Laetita”, longamente nos
apresenta como “A realidade e os desafios das famílias”, no capítulo segundo do
documento.
Em primeiro lugar, Francisco insiste na importância da
família como base social, conscientizando-nos ainda mais como as saudáveis
relações familiares plasmarão os convívios sociais igualmente salutares. Porém,
não olvida de que, diante dos empecilhos que exigem da família, o Espírito
Santo apresenta a doce vontade de Deus, mostrando-a nas vicissitudes da
história, da nossa vida pessoal e familiar. Daí é que escreve o Papa: “O bem da família é decisivo para o futuro do mundo e
da Igreja. […] É salutar prestar atenção à realidade concreta, porque ‘os
pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história’
através dos quais ‘a Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profunda
do inexaurível mistério do matrimônio e da família’ (AL
31).
Mesmo com o desejo de denunciar algumas situações
degradantes às famílias cristãs, o Santo Padre tem ciência de que não
conseguirá abarcar a problemática completamente. Haja vista a pormenorização
dos problemas ser uma atividade de grande alcance, porque muitas são as sombras
que obscurecem as famílias nos dias atuais. Entretanto, como pastor sensível às
necessidades das ovelhas que lhes foram confiadas por Cristo, Supremo Senhor da
Santa Igreja, o Sucessor de Pedro, numa espécie de reconhecimento, que já o faz
desculpar-se antecipadamente por não conseguir esgotar a discussão, atreve-se a
fazê-lo, arriscando-se, tal como o Pastor que, deixando as noventa e nove
ovelhas em segurança, arrisca-se para salvar a que se perdeu (cf. Lc 15,1-10).
Daí, é que segue: “Não tenho a pretensão de
apresentar aqui tudo aquilo que poderia ser dito sobre os vários temas
relacionados com a família no contexto atual. Mas, dado que os Padres sinodais
ofereceram um panorama da realidade das famílias de todo o mundo, considero
oportuno recolher algumas das suas contribuições pastorais, acrescentando
outras preocupações derivadas da minha própria visão” (AL 31).
O Santo Padre reconhece o
contexto de mudança de época hoje experimentado. Algo que já vai bastante
avançado. Daí, neste “aggiornamento”,
nesta atualização da mensagem evangélica, não é ocasião de a Igreja
‘reinventar’ o Evangelho – empreendimento que não está na sua alçada, porque
ela recebeu a Revelação de seu próprio Fundador, Esposo e Senhor. Mas, como Mãe
solícita, a Santa Igreja deverá responder e iluminar as situações do nosso
hoje. E como o fará? Incrementando a sua pastoral, que muito se preocupa com os
lares cristãos, sem trair o querido por Jesus, repelindo o que constrange a
mensagem do Evangelho, e que é, muitas vezes, apregoado pelo mundo. Chamemos
esta atitude da Igreja de ‘suspense’, onde sem deixar de lado a sua identidade,
doada por Cristo, terá de dar uma palavra de fé, esperança e amor às vidas que
desejam ser ressignificadas, rumo à salvação. E, resgatando as preocupações dos
bispos espanhóis no término dos anos setenta, Francisco observa: “Nem a
sociedade em que vivemos nem aquela para onde caminhamos permitem a
sobrevivência indiscriminada de formas e modelos do passado” (AL 32). Logo, não
há possibilidade de retroagir a situação dos desafios que inquirem a família,
principalmente pelo fato da secularização tão em voga, e que, com os seus ditames,
vai-se imiscuindo nos corações, nas relações, inclusive. Entretanto, a Igreja,
vigilante, não deseja permitir que a situação seja encarada irracionalmente,
acriticamente. Esta razão e esta crítica, tão necessárias para a iluminação e o
discernimento das famílias, não estarão em outra realidade senão na Pessoa de
Jesus, que nos fala aos corações por meio do Seu Evangelho, pregado,
incansavelmente, pela Igreja. Aqui está, portanto, a preocupação de ser a Santa
Esposa de Cristo custódia da salvaguarda das famílias, apontando tudo que lhe
vai de encontro, inclusive novidades estranhas e nocivas ao lar cristão.
Capitaneia as preocupações de
Francisco o fato do individualismo exagerado em detrimento do sentido
comunitário da família. E, para isto, sublinha, exemplificando: “De fato,
em muitos países onde diminui o número de matrimônios, cresce o número de
pessoas que decidem viver sozinhas ou que convivem sem coabitar. Podemos
assinalar também um louvável sentido de justiça; mas, mal compreendido,
transforma os cidadãos em clientes que só exigem o cumprimento de serviços. Se
estes riscos se transpõem para o modo de compreender a família, esta pode
transformar-se num lugar de passagem, aonde uma pessoa vai quando lhe parecer
conveniente para si mesma ou para reclamar direitos, enquanto os vínculos são
deixados à precariedade volúvel dos desejos e das circunstâncias. No fundo,
hoje é fácil confundir a liberdade genuína com a ideia de que cada um julga
como lhe parece, como se, para além dos indivíduos, não houvesse verdades,
valores, princípios que nos guiam, como se tudo fosse igual e tudo se devesse
permitir. Neste contexto, o ideal matrimonial com um compromisso de
exclusividade e estabilidade acaba por ser destruído pelas conveniências
contingentes ou pelos caprichos da sensibilidade. Teme-se a solidão, deseja-se
um espaço de proteção e fidelidade, mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar
encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais”
(AL 33-34).
Neste sentido, reflito: como os “achismos” pessoais têm
adentrado, com força, na vida em família, principalmente na preparação para o
Matrimônio. E, se o Papa exemplifica, também o faço: como tem crescido o número
de casamentos religiosos com efeito civil em que no regime de partilha está
escrito: separação total de bens! Isso retrata a falta de compromisso com a
comunhão de vida que aqueles dois candidatos ao Matrimônio têm. E, se assim
começam, como não terminarão? Se não são capazes de compartilhar os bens, como
compartilharão a vida? Não seria, porventura, um casamento com prazo de
validade?
Aponto para outra situação que nós, pastores (em especial os
bispos em suas respectivas dioceses), temos que nos atentar: como são
adicionados ao Rito do Matrimônio tantos elementos subjetivistas, não
respeitando a índole sacra do que se celebra! Plaquinhas com frases tolas,
esdrúxulas, animais como porta-alianças, músicas profanas que adentram nos rituais,
atrasos para “impactar”, “cerimonialistas” que, pouco ou nada sabendo de
Liturgia, enfeitam grotescamente o que não cabe enfeites por ser ação
divino-sacramental… E o pior que muitos assistentes, clérigos, são cúmplices,
são complacentes aos festivais descabidos. Isto, no momento anterior ao
matrimônio, reflete os individualismos que nortearão o casal que, diante do
altar de Deus, entre “plumas e paetês”, jurarão amor, respeito e fidelidade por
toda uma vida, talvez como acessórios.
E, se, por um lado, temos noivos que ‘subjetivizam’ o
objetivo, individualizando-o, igualmente crescente é o número dos que se põem
alheios ao dom do Matrimônio e da vida familiar por completo. Mas, em ambos os
casos, o que faltou por parte da Igreja? Será que não nos caberia uma melhor
catequese, para, esclarecendo os nossos jovens, os que desejam aderir ao
Matrimônio como estado de vida pudessem ter convicções firmes? É aqui, meus
queridos irmãos, que entra a importância das pastorais e movimentos da Igreja
que lidam e cuidam das famílias, na preparação das suas colunas, inclusive. Todavia,
não nos enganemos: também é uma observação premente aos que, como cristãos de
fé, são pais e mães de família. Por vezes, esta catequese existe enquanto
potencial, mas não na casa daqueles que estão engajados na Pastoral Familiar e
outros. É algo grave tal denúncia! Vocês também são catequistas no recôndito
doméstico. E o Papa constata: “Temos dificuldade
em apresentar o matrimônio mais como um caminho dinâmico de crescimento e
realização do que como um fardo a carregar a vida inteira” (AL 37).
O Santo Padre também nomeia
outras preocupações suas: a decadência cultural que não promove o amor e a
doação; a afetividade narcisista, promotora de imaturidade, que faz com que se
busque relações virtuais – e por isso, falsificadas, ilusórias – como obtenção
de prazer (pornografia, comercialização do corpo, prostituição, etc.);
mentalidade antinatalista, que eclipsa o fato de ver a procriação como dom de
Deus e como sustentada pela Divina Providência, sempre baseada na paternidade
responsável (o que, por vezes, em nosso Brasil, não acontece por causa dos
programas sociais onde o pobre recebe benefícios de acordo com a quantidade de
filhos, por exemplo); a miséria; a falta do senso religioso no seio dos lares e
no seu cotidiano; e tantas outras situações adversas à saudável vida familiar.
E se, em nossa análise, nos
deparamos com muitas sombras que obscurecem e visam desanimar a vida e as
relações familiares, encontramos uma luz coruscante como resposta a tudo o que
atormenta e aflige: Jesus Cristo.
Com toda a justiça, São
Paulo, escrevendo ao Bispo São Timóteo a sua Primeira Carta, constatará: “[…] se
nos afadigamos e sofremos ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus
vivo, que é o Salvador de todos os homens, sobretudo dos fiéis” (4,10). Sim, o
Senhor Jesus Cristo é a nossa esperança (cf. 1Tm 1,1). E, como pusemos em Deus o
nosso anseio por esta virtude, a família tradicional será forte obstáculo frente
a ação da deturpação do querido por Deus, tal como, a todo custo visa o
demônio, em suas estruturas, fazer. Jesus é luz de esperança que revela à família
cristã a sua identidade, a sua missão e a sua importância para a obra de
santificação, porque a realidade familiar se estabelece no seio, no coração da
vida da própria Igreja.
Recordando a conclusão feita
pelos Padres sinodais quando do duplo Sínodo para as famílias – o único Sínodo
bipartido da história da Igreja (2015-2016), o Papa Francisco recapitula:
“Jesus, que reconciliou em Si todas as coisas, voltou a levar o matrimônio e a
família à sua forma original (cf. Mc10, 1-12). A família e o
matrimônio foram redimidos por Cristo (cf. Ef 5, 21-32),
restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde brota todo o amor
verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da
salvação, recebe a revelação plena do seu significado em Cristo e na sua
Igreja. O matrimônio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça
necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O
Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à
imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até à realização
do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro
(cf. Ap 19, 9)” (AL 63).
Faz-se, portanto, urgente que
os membros da família cristã, que, com integridade, desejam viver a clareza da
fé e dos costumes, tal como deixou-nos o Senhor (e a Sua Igreja, fielmente, o
resguarda), que, pela esperança, não se furtem a se desgastarem, confiantes de
que Deus os recompensará nos esforços de solidificar a sua família na verdade,
condutora à vida e à felicidade. Para tanto, diante de tantos desafios, sintam
em si mesmos aquela experiência que o Senhor Ressuscitado oferece aos Seus
Apóstolos, à Sua Igreja, quando lhes aparece no radioso Domingo de Páscoa: “Não
temais!” (Mt 28,10). Sim, o medo nos paralisa, nos entorpece, nos trava. Mas,
se estamos com Jesus, o que haveremos de temer? Que vocês sintam o Senhor,
constantemente, a dizer-lhes: “Não temais!”.
Se as famílias de fé
esclarecida viverem no encorajamento de Cristo, que lhes diz, “Não temais!”, as
suas convicções e coragem serão reluzentes no mundo, tornando-se sinais para
tantas e tantas outras, que, vivendo sem esperança – e, portanto, desesperadas
– precisam de um modelo a ser seguido, necessitam de ajuda, carecem de
testemunhas. Se as famílias carentes virem os sinais de amor, de comunhão, de
compreensão, de perdão, de união, de doação, de sadia educação dos filhos, de
fé, logo, absortas, poderão querer firmar-se na experiência que outros fizeram
e deu certo. E, assim, se deixarão, cativar por Jesus. Será que isso não se
constitui famílias evangelizando famílias, quando um lar resplandece como sinal
para outros?
Para tanto, não existem
fórmulas mágicas, prontas. Sabemos que, viver de fé, até para nós, que cremos,
é um desafio. Mas, será que esse tentar não é um tempero, um ânimo que nunca
nos faz esmorecer, acomodar? É preciso, sempre, que progridamos na fé. E tal
progresso só se dá quando estamos dispostos para o crescimento. Caso contrário,
nos encurvaremos e nos desfiguraremos. O “não temais” de Jesus, é um convite a
uma sadia ousadia: a não obstante os desafios, crescermos na graça. Numa graça
vívida no núcleo familiar, é bem verdade. E, experimentando-a, contra toda
desesperança, sermos sinais de um viver sob a vontade de Deus, doadora de vida
e felicidade. Não se tratando de um viver unicamente pessoal; mas, a de estar
aberto a uma experiência em comum, a uma experiência familiar. Se, enquanto
família se vive assim, poderemos escutar o testemunho da parte de Deus e da
sociedade: “Família, sois a esperança do mundo”. Esperança não por si mesma,
mas porque é concretização do querer de Cristo Deus no seu interior, no seu
centro. A família sem Cristo nunca será sinal de esperança. Nunca!
Quando lemos as doze
promessas do Sagrado Coração de Jesus, reveladas a Santa Margarida Maria
Alacoque, na França do século XVII, temos duas que, diretamente, são dirigidas
à família: mais exatamente a primeira e a terceira, que dizem: a primeira: “A
minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a
imagem de Meu Sagrado Coração”; a terceira: “Estabelecerei e conservarei a paz
em suas famílias”. Entretanto, sabemos que, nas nossas famílias, existem
pessoas e pessoas, corações e corações. E, rememorando as aparições do Sagrado
Coração de Jesus e as Suas doze promessas, faço-lhes, representantes de tantas
e tantas outras famílias, o convite: deixem que o Sagrado Coração de Jesus seja
o Rei e o Centro da família de vocês, e apresentem-No também às outras,
naturalmente, com a vivência de vocês, para que também se permitam a tão
grandiosa e bela ventura. E não basta somente a imagem – caso desejem fazer a
sua entronização solene, porque a imagem é um sinal, uma representação –, mas
que o Coração de Jesus, Pessoa, seja o motivo de esperança da família. Se isso
acontece, como graça, os membros de uma maneira geral, cada um de acordo com a
sua necessidade, lucrarão as outras promessas: “Eu darei aos devotos de
Meu Coração todas as graças necessárias a seu estado; eu os consolarei em todas
as suas aflições; serei refúgio seguro na vida e principalmente na hora da
morte; lançarei bênçãos abundantes sobre os seus trabalhos e empreendimentos; os
pecadores encontrarão, em meu Coração, fonte inesgotável de misericórdias; as
almas tíbias tornar-se-ão fervorosas pela prática dessa devoção; as almas
fervorosas subirão, em pouco tempo, a uma alta perfeição; […] as pessoas que propagarem esta devoção terão o seu
nome inscrito para sempre no Meu Coração”.
Que Jesus, sendo a esperança
das famílias, faça dos nossos lares, sinais de esperança para este mundo tão
carente, animando as outras famílias à superação dos intimismos, dos
individualismos, dos desafios, das dificuldades e das tentações que as assolam!
PALAVRA DE ABERTURA PARA A ASSEMBLEIA REGIONAL DA
PASTORAL VIDA E FAMÍLIA
(Mossoró, 25 de novembro de 2016)
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Palmeira dos Índios -
AL
“FAMÍLIAS, FAÇAM TUDO O QUE ELE VOS DISSER!”
Leitura
bíblica: Jo 2,1-12
Ao escutarmos o evangelho de São João que nos fala do
primeiro sinal de Jesus, somos convidados a vislumbrar dois aspectos inerentes
à este texto. Assim, num primeiro instante, quero falar para vocês sobre as
Bodas de Caná e alguns símbolos que acompanham teologicamente esta passagem da
vida de Nosso Senhor, que inaugura a sua vida pública; em posterior, tratarei
desta mesma passagem, já com os aspectos teológicos elucidados, tentando
aplica-los à vida prática da família cristã.
O texto começa nos dizendo que, “No terceiro dia,
celebrava-se um casamento em Caná da Galileia” o 2,1). (JCronologicamente, somos tentados a imaginar
que se trata de um dia de terça. Mas, não. São João, mesmo nos falando do
terceiro dia, coloca esta passagem no sexto dia da semana, porque a expressão
‘terceiro dia’ significa três dias após o quarto dia, tendo em vista o que nos
fornece o Evangelista-Teólogo já no capítulo primeiro. É bom que tenhamos em
mente o significado do sexto dia no movimento da criação do universo de acordo
com o livro do Gênesis no capítulo primeiro, versículos de vinte e seis a
trinta e um. É nesse dia que Deus cria a humanidade. Dessa forma, o primeiro
sinal realizado por Jesus deseja manifestar o surgimento da nova humanidade do
grupo daqueles que aderem a Ele pela fé. Todos os outros sinais que o Senhor
realizará no decorrer do Evangelho de São João somente possuem sentido mediante
a ótica da criação da nova humanidade feita por Jesus, a partir de Seu sangue
vertido na cruz. Isso mostra que ação do Filho representa a nova criação que o
Pai realiza por meio do Unigênito. De fato, Jesus continuar a trabalhando
sempre conforme aquilo que o mesmo Evangelho de São João no capítulo quinze
versículo dezessete nos afirma que refazendo a criação, Ele ‘co-opera’ com o Pai:
“Meu Pai continua trabalhando e eu também trabalho” (Jo 5,17), e a sua obra
estará concluída na sua cruz quando dirá: “Tudo está consumado! (Jo 19,30),
como se quisesse dizer: “- Tudo está realizado!”.
E o Evangelho continua dizendo que “[…] celebrava-se
um casamento em Caná da Galileia” (Jo 2,1). Também aí, temos um simbolismo: a
festa de casamento é um momento festivo em que estão congregadas muitas
pessoas. No Antigo Testamento, é símbolo frequente do amor de Deus pelo povo de
Israel. Os profetas usaram muitas vezes essa imagem para falar do amor mútuo
entre Deus e Israel. Já no Novo Testamento, representa a união de Cristo com a
sua Igreja, tal como nos afirma São Paulo, escrevendo aos Efésios, no capítulo
quinto, versículos do trinta e dois ao trinta e três de sua epístola: “Esse
símbolo é magnífico e eu aplico a Cristo e a Igreja” (Ef 5,32-33). Ou como
anteriormente já dizia o Apóstolo dos Gentios: “[…] como Cristo amou a Igreja e
se entregou por ela” (Ef 5,25). É Jesus o verdadeiro esposo da humanidade. Por
sua vez, a palavra Caná também é dotada de sentido. O nome do vilarejo
significa “adquirir”. É Jesus, Divino Esposo, quem vai adquirir para si um povo
com o qual realizará a Nova Aliança.
Ainda no versículo primeiro temos o dado: “Aí estava a
mãe de Jesus” (Jo 2,1). A presença feminina de Maria não é somente uma de cunho
materno. Mais tarde, Jesus a chamará “Mulher”. Na Bíblia, nenhum filho chamava
desse modo sua mãe. Somente era cabível ao marido chamar assim a sua esposa.
Este vocativo mostra que Maria não é somente a mãe do Senhor, mas representa um
grupo: o daqueles que se mantiveram fiéis a Deus e que agora manifestam essa
fidelidade obedecendo a Jesus.
Na festa de casamento em Caná (que representa toda a
realidade da Antiga Aliança) faltou vinho. Essa bebida representa na Bíblia o
amor. Prova-nos esta ideia o livro do Cântico dos Cânticos no capítulo
primeiro, versículo segundo: “Os teus amores são mais deliciosos que o vinho”
(Ct 1,2); como igualmente no capítulo sétimo, versículo décimo: “Teus beijos
são como um vinho delicioso que corre para o bem-amado”(Ct 7,10); e ainda no
capítulo oitavo, versículo segundo: “Eu te levaria, far-te-ia entrar na casa de
minha mãe; dar-te-ia a beber vinho perfumado, licor de minhas romãs” (Ct 8,2).
A Antiga Aliança não tem mais sentido, pois o amor foi substituído pela Lei. A
Mãe de Jesus reconhece isso, porque, em vez de dirigir-se ao organizador da
festa, vai a Jesus, que escuta dela: “Eles não têm vinho” (Jo 2,3). Quem são
“eles”? São os que basearam a relação com Deus a uma série de regras,
tornando-a fria e paralisada. Jesus garante que nem ele nem sua mãe têm alguma
coisa a ver com isso. Daí exclamar: “Mulher, que existe entre nós? Minha hora
ainda não chegou” (Jo 2,4). Que hora é esta tão misteriosa? A hora de Jesus; é
a hora da Cruz, quando o ‘Salvador-Amante’ mostrará Seu amor sem limites.
Depois de escutar de Jesus uma resposta um tanto
inusitada (mas prenhe de significado teológico), a Mãe de Jesus vai aos
serventes: “Fazei o que ele vos disser!” (Jo 2,3). Ao mando de Maria os
serventes da festa obedecem sem delongas. Eis a tarefa dos que aderem a Jesus:
fazer tudo o que Ele mandar. É daí que nasce a nova humanidade, que, por sua
vez, terá como atitude a obediência a Jesus e servir. Esta atenção disponível
em ouvir e fazer a vontade de Deus foi premissa primeira que o livro do Êxodo
nos apresenta como a sentimento do Povo da antiga Lei a aliança de Moisés: “E
todo o povo respondeu a uma voz: ‘Faremos tudo o que o Senhor disse’. Moisés
referiu ao Senhor as palavras do povo” (Ex 19,8).
São João continua acerca das seis talhas de pedra para
a purificação dos judeus, com capacidade de setenta a cem litros cada. Qual o
simbolismo destas talhas de Pedras? O profeta Ezequiel, denunciando o coração
de pedra do povo de Deus da Antiga Aliança, escreverá: “Dar-vos-ei um coração
novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra
e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36,26). Esses enormes potes representam a
falta de amor na relação com Deus. Além disso estão vazios, ou seja não têm
mais nada a dar. O Evangelho ainda pontua, afirmando que esses recipientes
serviam para a purificação dos judeus, demonstrando como a instituição
religiosa via relação com Deus: num distanciamento e frieza tais diante de uma
divindade que podia, a qualquer momento e por qualquer motivo, se zangar com o
povo que o tinha que agradar com ritos de purificação. Essa não é a relação
exigida por Cristo-Esposa para a nova humanidade. Os ritos de purificação
desprovidos de um sentimento de adesão perdeu o valor e o sentido, pois não é
assim que as pessoas se relacionarão com Deus, porque, tal como nos diz o mesmo
Evangelista João no Prólogo do seu Evangelho: “Pois a lei foi dada por Moisés,
a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1,17).
Simbólicos ainda é a quantidade das talhas seis, que
recordam as festas judaicas presentes no Evangelho de São João: três páscoas
(cf. Jo 2,13; Jo 6,4; Jo 11,55; uma festa anônima: Jo 5,1; a Festa das Tendas:
Jo 7,2; e a Festa da Dedicação do Templo: Jo 10,22). As festas igualmente são
desprovidas de vida para o povo; servem somente para manter os privilégios dos
dirigentes religiosos que exploram e oprimem.
Mais adiante, Jesus manda que encham as talhas de água
– ao que fizeram de maneira quase transbordante – depois ordenou que levassem
ao mestre-sala aquela água aparentemente normal. João é categórico em informar
quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho sem saber de onde
procedia, embora o soubessem os serventes que haviam retirado a água. O
mestre-sala dirige-se ao noivo e declara: “É costume servir primeiro o vinho
bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos
bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora” (Jo 2,10). A mudança da água em
vinho não acontece dentro dos potes, e sim fora, para dizer que Jesus não veio
remediar uma situação, mas para mudá-la radicalmente.
A abundância de vinho (em torno de seiscentos litros)
revela o amor extraordinário e profuso de Deus, presente na vida e na ação de
Jesus, o Esposo da Nova Humanidade, que sela a Nova Aliança dando a vida por
amor. Outro fator que deve ser frisado aqui é que, ao final do Evangelho,
temos, não mais a conta das seis talhas, e sim de uma única: o próprio Jesus. É
Ele a talha do verdadeiro vinho que pode ser contabilizado de duas maneiras:
associado às outras seis talhas formando a sétima (e sete é o número da
perfeição), para afirmar que Jesus é o vinho perfeito para humanidade; mas, ao
mesmo tempo, a qualidade do vinho de Jesus é única e é somente desta única dose
que o mestre-sala degusta. A ignorância do mestre-sala acerca do vinho novo diz
respeito ao mistério da origem de Jesus e de seus dons: Ele não é deste mundo
ele é do Alto: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18,36).
Quem é esse mestre sala e o que ele representa?
Representa a instituição judaica; de uma criação encarquilhada no mal, que, ao
dar uma bronca no noivo não aceita a novidade da Nova Aliança, porque, antes,
não nota a falta de vinho, achando normal que na relação com Deus o amor esteja
ausente. Para ele, o vinho foi sempre novo. A carência do vinho é a Lei (com as
suas obrigações vazias) e esta basta, não admitindo mudanças no sistema que
afasta o povo de Deus. Com isso recusa a novidade do amor de Jesus. João, no
Prólogo, vai dizer que o Verbo “veio para o que era seu, mas os seus não o
receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome,
deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do
sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo
1,11-13).
O Evangelista São João conclui o relato deste episódio
dizendo o seguinte: “Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná
da Galileia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois
disso, desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali
só demoraram poucos dias” (Jo 2,11-12). Percebamos algo: no Antigo Testamento,
Deus manifestava a sua glória no fogo consumidor do topo da montanha, como
atestam as teofanias do livro do Êxodo. Agora, a glória de Deus é Jesus
revelando o seu amor ilimitado, figurado na abundância do vinho. A melhor
resposta que podemos dar é a da fé, aderindo a Jesus, aceitando e vivendo o Seu
amor, tal como fizeram os discípulos da ‘primeira hora’, que acreditaram nele e
o seguiram, tal como Maria, a Sua Mãe, Seus parentes e discípulos. Ao
permanecer com Ele, vão reconhecendo que Jesus é o verdadeiro esposo. E a
partir desta adesão a Ele, é que se forma a Nova Humanidade, a Esposa do
Cordeiro; do número dos Seus seguidores, que vai aumentando.
Pronto! Até aqui, fizemos uma breve tratativa na
teologia do texto. Agora, convido-os para que entremos – a partir deste mesmo
espírito teológico – à nossa realidade humana. É Deus quem nos fala por meio
deste nosso encontro em prol das famílias. “Fazei tudo o que ele vos disser!” é
a ordem que Maria deu aos serventes daquela festa de casamento; e não somente
lá: ela também nos dará. Percebamos que a tratativa teológica do texto nos acena
para uma relação de amor profunda e genuína que emana do coração do próprio
Deus para com a humanidade, e que os
esposos cristãos, devem ter como desafio repetir dentro da intimidade de seus
lares.
Quando o homem e uma mulher se decidem a, livre e espontaneamente,
aceitar-se em matrimônio, acontece plano de Deus. É como se o sonho de Deus se
tornasse realidade no ato que faz de dois corações um só. O vínculo matrimonial
não é obra simplesmente de um ato humano, mas do Amor Divino que quer palpitar
no coração daqueles dois seres que, pela comunhão de vida, desejam fazer-se uma
só carne.
O problema está naqueles que abraçam a vida
matrimonial, e se esquecem de que são instrumentos do Amor Divino. E desde
descurar, começam a pautar a sua vida conjugal nos aspectos humanos, que com o
passar do tempo, tornam-se efêmeros e insuficientes, fazendo-os cair na
monotonia e no desgaste tamanhos que se torna insustentável o viver a dois. É
preciso que os casais tenham em mente de que a sua vida a dois deva corresponder
àquilo que é querido de Deus, e que a sua vida matrimonial é fruto de um amor
de Cristo que os une à obra de Deus.
O sinal que está nas Bodas de Caná é um convite para
irmos ao encontro do único e verdadeiro amor das nossas vidas, correspondendo,
assim, à nossa vocação específica: eu, como consagrado, como Bispo da Igreja; e
aqueles que se receberam pelo matrimônio através de um amor-comunhão de duas
vidas. Isto é prezar pelo vinho novo, principalmente quando se acaba o vinho
inferior, o vinho antigo, o vinho quase vinagre que tenta botar uma mácula
coração das famílias. Maria aparece como intercessora e mediadora. Aquela que
sabe olhar a necessidade dos irmãos vai dizer ao Filho que está faltando o
essencial para a festa. Ela o faz confiando n’Ele, sugerindo que tenhamos igual
confiança. A Mãe das Famílias tem o seu coração entristecido por ver que tantos
e tantos lares estão nos dissabores da falta de amor, de compreensão e de
respeito.
A presença de Jesus na vida a dois é garantia de que o
essencial jamais faltará, e que, mesmo que as dificuldades conjugais advenham,
Ele está pronto para ajudar a solucioná-las. Como Deus é dotado de uma grande
capacidade criativa, Ele fortalece o relacionamento de cada dia. E, diante de
momentos cruciais ou mesmo de alegrias e satisfação, a presença espiritual de
Maria (que nunca vem sozinha, mas acompanhada de seu Filho) numa boda, numa
vida a dois, pode ser vista como sinal do seu compromisso com a vida conjugal,
com a vida das famílias, e um convite comum à ousadia do Evangelho.
O simbolismo da transformação da água em vinho sugere
a necessidade de transformação que a ‘construção do casal’ exige. A ideia de
festa que perpassa por este evangelho das Bodas de Caná é um convite à alegria
dos esposos e, simultaneamente, um convite à confiança em Jesus, a exemplo de
Maria. Ela alerta, em primeiro lugar, para o vinho que falta na relação
conjugal, e, enfim nas famílias. A sua sensibilidade viu a carência dos noivos.
Jesus supriu as suas necessidades e os serventes obedeceram: o vinho da
transformação era de melhor qualidade do que o anterior, e é a marca da ação de
Jesus. A esta associação de fatos ao inesperado, os noivos convidaram Jesus e
sua mãe para festa e a transformação aconteceu. Não seria um convite premente,
por parte das nossas famílias, para que Jesus e sua mãe se façam presente
nelas, transformando as dores, as cruzes e as dificuldades em momentos felizes
de festa de Deus?
Creio que neste momento são plausíveis alguns
questionamentos que as famílias podem responder no íntimo do interior de cada
uma delas mesmas. Primeira pergunta: confiamos em Jesus e escutamos o que Ele
nos diz? Executamos o que Maria nos sugere quando diz: façam o que ele lhes
disser? Os casais se dão conta de que a vida a dois é um ‘verdadeiro milagre’?
Que significado atribuem ao papel de Deus desse ‘milagre’ cotidiano? Será que o
‘vinho’ do amor não está insípido, sem gosto, por causa da rotina da vida e de
elementos estranhos que desejam se instalar no âmago da vida matrimonial? E o
da compreensão que exige um escuta diferente? Como anda o diálogo na vida a
dois? E a partir da vida a dois na vida de toda a família? Não será que Maria
alerta em primeiro lugar para o vinho que falta na relação conjugal das
famílias e com aqueles que as rodeiam?
Mediante estas perguntas que iluminarão a análise da
vida a dois, é preciso que se veja o casamento renovável diariamente pelo
Matrimônio (cotidianamente bem vivido) como ato mesmo de Cristo. O sacramento
do matrimônio vem unir duas pessoas, duas vidas, mas um terceiro associa-se a
essa união: Cristo casa os esposos e serve-se deles para ministros. Não é só no
dia da celebração do casamento que Cristo oferece aos esposos as suas graças de
amor, mas igualmente ao longo da vida em que Cristo não estará somente perto
deles, mas neles. Isso é fazer de Cristo o vinho novo da Alegria, o vinho
constante da Sua presença renovadora, o vinho de sabor único para as famílias,
a começar dos casais.
O sacramento do matrimônio é uma fonte permanente de
graça para os esposos. Enquanto durar a sua vida conjugal, “o casamento
permanece, logo após a sua realização, uma fonte de graças: a sua união, o seu
compromisso permanente não deixa de ser, para os esposos, a sua própria aliança
à graça do Senhor, com a qual Deus se serve para santificar, espiritualizar,
divinizar cada um, assim como aperfeiçoar o seu amor e a sua união” (Padre
Henry Caffarel).
A vida do casal na vida mesma de Cristo recebe graças
de amor. Graças estas que o Senhor não as deixa de dispensar: de cura e purificação,
transfiguração e fecundidade, que brotam do Coração de Jesus. Colaboradores de
Deus e corredentores com Cristo, os pais têm o dever não somente de despertar
nos seus filhos, mas de cultivar (como um trabalho de todos e para todos de um
lar) o sentido de quererem modelar-se à semelhança do seu ‘Irmão Divino’.
Cultivando as graças do seu Batismo, o sacramento diariamente renovado do
Matrimônio nasce do coração de Deus e age como sinal de graça para os cônjuges,
que se situam ao lado de Deus, comungando com Ele. Creio ser ainda pertinente
perguntar: como agem os esposos diante da presença de Cristo que lhes fortalece
a fé e os votos de amor, respeito, fidelidade e colaboração na obra da criação
feitos no dia do Matrimônio?
Por fim, queridos irmãos, assim como Maria foi atenta
às necessidades dos noivos de Caná, peçamos-lhe também patrocine as nossas
famílias, os nossos casais: “Maria, Rainha das Famílias, atenta nas Bodas de
Caná, faz de nós pessoas com olhos abertos e mãos disponíveis a tantos que se embriagam
com vinho ruim da falsa felicidade. Distanciam-se de Deus, de seus semelhantes
e destroem a natureza do vínculo conjugal. As nossas famílias necessitam do
vinho da Alegria, de Vida com sentido, com sabor, com beleza. As nossas
famílias carecem de Deus por não saber procura-Lo como convém. Mostra-nos o Teu
Jesus, ó Mãe, e que possamos escutar-te, instantaneamente, a nos dizer: ‘Fazei
tudo o que Ele vos disser!’” Amém.
ALOCUÇÃO PARA A ABERTURA DO ENCONTRO DA PASTORAL FAMILIAR DO REGIONAL NORDESTE II
FAMÍLIA: CASA DA MISERICÓRDIA
(Recife, 10 de março de 2016)
Caros amigos,
Ao iniciarmos este nosso encontro, acolho a todos vocês que deixaram os seus inúmeros afazeres para estarem aqui, pensando propostas não somente para as suas, mas à luz do Evangelho de Jesus, para as demais famílias cristãs espalhadas em todo o nosso território brasileiro. Sejam todos bem-vindos! Muito obrigado pela preciosa presença de vocês que vieram de diversos recônditos deste nosso Regional Nordeste II: do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Alagoas, e deste querido Estado de Pernambuco, nosso valoroso anfitrião! Ao tempo em que agradeço a abertura dos pastores desta Arquidiocese de Olinda e Recife para nos receber: Dom Fernando Saburido, Arcebispo Metropolitano, e o seu Bispo Auxiliar, Dom Antônio Tourinho. No princípio deste nosso encontro, creio ser elementar fazermos uma breve analogia entre família e misericórdia, vendo como, enquanto Pastoral Familiar, somos missionários da misericórdia para as famílias: nossa e daqueles que integram conosco os núcleos aos quais representamos. De certo que Dom Antônio Tourinho aprofundará mais esta relação. Entretanto, penso ser necessário que, enquanto Bispo referencial para a Pastoral Familiar neste nosso Regional, possa eu pincelar acerca da temática abordada mais tarde.
Toda família cristã, por ser baseada no amor, bem como em toda realidade que do amor promana (como respeito, diálogo, compreensão, paciência, perdão...), é lugar de experimentar com maior calor a misericórdia divina. O Papa São João Paulo II, em sua Exortação ‘Familiaris Consortio’ chamará, com toda justiça, a Família de “comunidade em diálogo com Deus”. É, pois, no regaço familiar que se deve sentir com maior pureza e limpidez, latentemente, a misericórdia de Deus. “Deus é Amor” (1Jo 4,16). Assim, o ser de Deus, o amor, comunica-se ‘com’ e ‘à’ família, eivando-a dos mais nobres sentimentos, fazendo com que, instantaneamente, haja nos lares a presença do amor como um norte. “Sem o amor, a família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas” (Familiaris Consortio, 18).
Sendo a família um local proeminente para sentir e fazer viver o amor de Deus, ela também é casa da misericórdia. Quando deste termo ‘misericórdia’, sempre nos advém à mente a temática do perdão. No seio da família faz-se extremamente necessário que cada membro adquira a fisionomia e as atitudes de Deus. Ao apelo deste Ano Jubilar da Misericórdia, cada membro deverá ser “misericordioso como o Pai”.
Ser misericordioso em uma casa não é uma atitude passiva ou mesmo omissa de ignorar os erros daqueles que, comigo, formamos um lar; tampouco misericordioso será o que vive com o dedo ereto a apontar e a julgar outrem. O princípio da misericórdia sempre será coligado ao da justiça, levando em conta o imperativo de Jesus no Sermão da Montanha: “Seja o vosso sim, sim; e o vosso não, não. O que passa disso vem do maligno” (Mt 5,37)
Ser misericordioso é ser sal, luz em meio às trevas do mundo: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocála sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa.” (Mt 5,13-15). É ser ainda fermento misturado à massa para levedá-la (Lc 13,21). Ser misericordioso é, por fim, ser altivo. Não uma altivez que se torne soberba em se sobrepor aos demais pela vaidade, mas ser um experto, especialista no amor, e pelo amor ao testemunho, pelo amor à correção, pelo amor à docilidade, pelo amor à doação.
A misericórdia como amor é, no dizer de São Paulo, paciente, bondosa, não é invejosa nem orgulhosa, não é arrogante, tampouco escandalosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor, não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade (1Cor 13,4-6). A fórmula inequívoca da misericórdia pode ser copiada para os nossos lares da Parábola do Filho Pródigo, onde o retorno de um ao bom e reto caminho é sucesso e festa para todos.
Sim, a família é o lugar da festa da misericórdia! Quando se há compressão, aí se festeja a misericórdia. Quando se há ajuda para um mútuo crescimento, aí está a festa da misericórdia. Quando se há o respeito, aí se celebra a misericórdia. Quando acontece o perdão, aí a misericórdia triunfa. Quando há o diálogo, a correção fraterna, aí a misericórdia é exaltada.
Caros amigos, iniciei estas minhas palavras lembrando-lhes que são, como representantes da Pastoral Familiar em suas respectivas dioceses, missionários da misericórdia para as famílias: em um primeiro momento para as famílias de vocês, e, posteriormente, para levarem adiante, para as outras famílias, o que escutarão aqui. Pois bem, se se aplicarem à vivência da misericórdia com toda a sua riqueza nos lares de vocês, tudo o que escutarão aqui será garantido por uma prática que dará certo na casa de vocês, com os seus cônjuges, filhos, sogros, cunhados, sobrinhos... E, dessa forma, não serão missionários de uma causa desconhecida, mas de algo experimentável e de excelente resultado. De apenas missionários, vocês se tornarão testemunhas da misericórdia, sentida não unicamente no subjetivo, como também no coletivo de pessoas que se amam denominado família. Mas, não um amor de qualquer maneira. Não! Mas na medida do amor de Cristo, que nos impulsiona (cf. 2Cor 5,14) para a perfeição, rumando-nos justos, à pari passu para Deus, que é Amor.
Sabemos que a família é a célula-mater da sociedade. Se a família experimenta a misericórdia que vem de Deus e passa pelos membros do lar cristão, igualmente o mundo beberá da misericórdia divina e será um lugar menos sofrível, mais humano. O que não nos é utopia, mas sonho de realidade, muito embora o nosso destino não seja esta terra, mas o céu de Deus.
Faço votos de um profícuo trabalho a todos. E que a misericórdia de Cristo, através dos seus membros, triunfe na família cristã.
DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS
ALOCUÇÃO
PARA A ABERTURA DA ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR DO REGIONAL NORDESTE II
(Cajazeiras – PB, 30 de outubro de 2015)
Minha saudação afetuosa ao meu irmão no episcopado Dom José González
Alonso, Bispo Emérito de Cajazeiras, e grande incentivador da Pastoral
Familiar, não somente em sua Diocese, mas em todo o nosso Regional Nordeste 2;
Minha saudação a todos vocês que lotam, neste final de semana, este
recinto, provenientes do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco e de
Alagoas, para, à luz da Palavra de Deus, avaliar e planejar a caminhada desta
importantíssima pastoral da vida da Igreja que se encontra também nos lares,
tal como se caracteriza a Pastoral Familiar.
Meus queridos amigos,
A Igreja nunca se esqueceu de prezar pela vida em família, até porque o
nosso Salvador, ao encarnar-se na condição humana, escolheu habitar no lar de
Maria e de José. Por isso, a Igreja não olvidou da família porque, observando o
Seu Divino Fundador, tem consciência de que todos, sem exceção, que compomos a
Igreja, antes de tudo o mais, já compúnhamos a instituição familiar.
Entretanto, ultimamente, a Igreja tem, ainda mais, buscado luzes no
Evangelho para esclarecer a vida familiar em meio a tantos atentados que se
apresentam e que podem, se não houver o devido cuidado, obscurecer, ou mesmo
arruinar, o berço social, tal como preconiza a família. O Papa Francisco, por
meio deste último Sínodo bi-partido, não se deteve nesta missão própria de
Sucessor de Pedro, que é a de confirmar o rebanho no que é desejo do Senhor.
Nas suas catequeses semanais de quarta-feira, o Santo Padre apresentou muitas dos
recursos que são úteis para uma saudável vida familiar, partindo, inclusive do
seu conceito para balizar tantos outros pontos necessários. Desejo, fazer das
suas palavras as minhas no que diz respeito à nossa preocupação pastoral para
com a menor célula social, e que, na Teologia e na prática pastoral chamamos
com uma nomenclatura mais doce e mais pontual: Família, Igreja Doméstica – como
bem enunciou o Concílio Vaticano II, e, posteriormente, o Papa São João Paulo
II.
A Igreja de Cristo é viva. Esta
sua vivacidade apresenta-se pelas preocupações e respostas que dispensa ao
mundo contemporâneo. Na sua audiência geral do último nove de setembro, o Santo
Padre, com palavras curtas e diretas, expressou-se: “Hoje gostaria de chamar a nossa atenção para o vínculo
entre a família e a comunidade cristã. É um vínculo, por assim dizer,
‘natural’ porque a Igreja é uma família espiritual e a família é uma pequena
Igreja” (cf. Lumen Gentium, 9). Com uma ideia que exprime imbricação, o Santo Padre
delineia os conceitos basicamente fundamentais de duas instituições que
salvaguardam uma a outra: a Igreja, que sempre defenderá os direitos da família,
inclusive de existir de acordo com o querido por Deus e consoante à
naturalidade da vida humana; e a família, que nutre a Igreja das mais ricas e
variadas vocações, desde aquela fundamental à vida e à santidade, até as
vocações específicas e que manifestam o anúncio do Evangelho nos mais sortidos
lugares em que a Palavra de Jesus precisa ser anunciada. Se a Pastoral, que na
Igreja cumpre este encargo, levar a bom termo o que lhe é confiado, tal como a
Pastoral Familiar já o faz, haverá uma conjugação de esforços comuns em prol
das duas instituições divinas – por terem sido queridas e instituídas pelo
próprio Deus, não obstante os seus aspectos humanos: a Igreja e a Família.
“Os grandes acontecimentos dos poderes
mundanos escrevem-se nos livros de história, e ali permanecem. Mas a história
dos afetos humanos inscreve-se diretamente no Coração de Deus; e é a história
que permanece para sempre. Este é o lugar da vida e da fé. A família é o lugar
da nossa iniciação — insubstituível, indelével — nesta história. Nesta história
de vida plena, que acabará na contemplação de Deus por toda a eternidade no
Céu, mas começa na família! Por isso a família é tão importante”, continua
Francisco. Nossos esforços comuns sempre foram, são e devem continuar a ser
neste propósito: que a base familiar seja o amor; amor cuja fonte é o próprio
Deus, cuja essência, por sua vez, é o amor: “Deus é amor. Todo aquele que ama
permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4,16). Como Igreja, queremos
apresentar Deus às famílias, eivando-as Dele, eivando-a de amor. Não amor na
medida do mundo ou na sua modalidade que carece, que apossa; pelo amor, comete-se
aberrações e crimes passionais: amor desequilibrado; amor egoísta; amor sentimentalismo.
Não! Desses pseudo-amores já basta! Queremos que as nossas famílias sejam
portadoras e instrumentos de amor porque desejamos que elas gravitem em torno de
Deus; porque Ele deve ser o centro de cada família. Somente com atitude tal é
que a comunidade humana, fundada no amor, que denominamos família, escreverá a
sua história no coração daquele que disse de Si ‘ser amor’, composta de bela
caligrafia, carregada de alegria e também de dificuldades, que tem por tinta a
fé. O caminho da vida em família nunca independerá do caminho da fé em família,
com tudo o que a fé produz e como é alimentada no seio de cada lar. A família
que vive nas sendas da fé é porta aberta ao Céu, por estar em contato constante
com o que é Divino. Eis porque ser chamada de ‘Igreja Doméstica’.
A Igreja deve ser família onde também as
famílias se encontram. Igreja: família de famílias; família de Cristo composta
por famílias que têm Cristo como o seu eixo. “Nos Evangelhos, a assembleia de
Jesus tem a forma de uma família, e de uma família hospitaleira, não de uma
seita exclusiva, fechada […] Os próprios discípulos são eleitos para cuidar
desta assembleia, desta família dos hóspedes de Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de 2015).
Creio que, com este sublinhar do Santo Padre acerca da tarefa que os discípulos
de Jesus, o seus Apóstolos, possuem, é que nós, Dom José, e padres aqui
presentes, entendemos a curatela que nos é cabida no lidar com as famílias. Por
sermos pastores da grande “família de Deus” (cf. Ef 2,19), igualmente nos urge
o dever de assistirmos às famílias. Não um assistir no transitivo direto, como
espectadores, mas com o verbo no transitivo indireto, que inculca a ideia de
socorro, de proteção. Velemos pelas famílias com o mesmo ardor que velamos as
paróquias, as dioceses, porque o contexto familiar lhes é integrante: “a família e a paróquia são os dois lugares onde
se realiza aquela comunhão de amor que encontra a sua derradeira fonte no
próprio Deus” (Francisco: Audiência Geral,
09 de setembro de 2015). Logo, se preocupa-nos no como vivem as famílias, se no
amor, se em Deus, estaremos prezando por sua origem, meio e destino.
Não pensem, caros dirigentes da Pastoral
Familiar, que vocês estão dispensados do encargo de responsabilidade sobre as
famílias. Não! Junto conosco, vocês fazem valer o compromisso batismal que
perpassa em ser mãos, braços, pés, pernas, voz, dos pastores da Igreja, e,
acima de tudo de Cristo Jesus. Não descurem deste princípio de responsabilidade
que se abate sobre vocês, tanto quanto nós, ministros da Igreja de Cristo.
Creio que esta consciência já seja latente em suas mentes. Se a família de
vocês vai bem, por que não ensinar a fórmula que tem dado certo às famílias que
estão precisadas de um recurso chamado Jesus já descoberto pela família de
vocês? Com estas palavras, faz-se vivo em mim o anseio de dar-lhes um incentivo
maior do que as disposições que vocês trazem nos seus interiores. Levemos
adiante os nossos trabalhos: seja aqui, seja nos rincões de nossas Dioceses. Tenhamos
em nobre conta o pouco que fazemos, não por vaidade, mas porque é trabalho de
cujo instrumento somos de Deus.
Agradeço a Dom José não somente a
acolhida, mas, antes de tudo, agradeço-lhe todo o labor em prol desta dimensão tão
rica e, simultaneamente, complexa e desafiadora, como é esta de acompanhar as
famílias; ele que se empenhou com tanto vigor para que a Pastoral Familiar
tivesse êxito através de um acompanhamento tão formidável. Sou grato ainda por
ter-me indicado para o serviço junto a vocês em nome do Regional Nordeste 2.
Dom José, tenha em mente o que a Igreja reza a Deus, pedindo pelos Pastores, na
Oração de Coleta no dia de São Gregório Magno: “dai […] o espírito de sabedoria àqueles a quem confiastes o
governo da vossa Igreja, a fim de que o progresso das ovelhas contribua para a
alegria dos pastores”. Seja, portanto, esta nossa assembleia o felizardo alento
para a sua consciência de ter dado um largo contributo para o crescimento e a
santificação de tantos. Muito Obrigado, Dom José!
Que tenhamos um frutuoso trabalho! Muito
obrigado a todos!
DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS
POR UM FUTURO SENSATO
Prezados leitores e leitoras,
Ultimamente,
nos deparamos com certa inquietação por conta de pessoas que insistem na ideia
sobre a ‘Identidade de Gênero’ ou a igualmente chamada ‘Ideologia de Gênero’.
Esta teoria insiste na “distorção completa do conceito de homem e mulher, ao
propor que o sexo biológico seja um dado do qual deveríamos libertar-nos
cabendo a cada indivíduo decidir o tipo de gênero a que pertenceria nas
diversas situações e fases da sua vida”. (Nota
Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da Ideologia de
Gênero).
No
meu modo de pensar, forçar a implementação da ‘ideologia de gênero’ chega até mesmo
ser um constrangimento à família e à toda sociedade, isso sem me deter ao
contristar com o querido por Deus quando da obra da criação. Constranger é
incomodar, forçar; é, ainda, coagir e compelir. Entendam, baseio-me na nota dos
Bispos do Regional Nordeste 3, que elucida: “No mês de junho todos os 5.570
municípios brasileiros deverão aprovar seus Planos Municipais de Educação (PME)
de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, instituído pela Lei
13.005/2014. Para relembrar, trazendo à lume os fatos, o PNE foi fruto de um
intenso debate democrático com participação dos cidadãos brasileiros e de
muitas pessoas com interesse pela família. Nele, a Câmara dos Deputados e o
Senado Federal rejeitaram a menção à ‘igualdade de gênero’ pela relação direta
que a expressão tem com a chamada ‘ideologia de gênero’”. Se foi rejeitado na
Câmara Federal e no Senado, por que, disfarçada e sutilmente, reaparece agora,
colocado no processo para aprovação dos Planos Municipais de Educação que
orientarão as secretarias de Educação e as diretorias das escolas municipais
nos próximos dez anos? Creio que tudo isto está sendo veladamente apresentado –
como que na surdina – porque pouco acompanhamos as discussões e atividades dos
legislativos municipais, já que as votações naquelas casas - que seriam
populares - são pouco acompanhadas pelos cidadãos, tendo em vista também o
pouco, ou até mesmo o total desinteresse das grandes mídias de comunicação,
grande formadoras da opinião pública. Caso os Planos Municipais de Educação
contenham os ditames da ‘ideologia de gênero’, comprometeremos a formação de
toda uma geração, levando em conta o seu período de vigência: a duração de uma
década. Se a aprovação acontecer, os efeitos e consequências serão infindamente
trágicos às consciências e aos valores dos indivíduos, da família e da
sociedade como um todo, independentemente do credo que professam.
Tal
como afirmam os bispos, isso é um desrespeito. E digo mais: como tudo está
sendo conjecturado, negociado e feito pelos pregoeiros da perversão dos
costumes, isto é uma violência, pois os que estão por trás dessa implantação da
‘ideologia de gênero’ não se conformam com as reiteradas derrotas na Câmara e
no Senado, no intuito pertinaz de ver concretizado em nossa sociedade um dos
maiores equívocos da civilização humana com a aprovação do Estado. Nosso Senhor
“elogia”, no Evangelho de São Lucas (cf. 16,1-10), essa habilidade dos estultos
e servidores do erro, dizendo que é uma lição para os que propugnam pelo bem e
pela verdade. Se eles são ferrenhamente defensores do erro e da confusão, com
igual ou superior persistência, defendamos a luz da verdade, pois, como avalia
o frade dominicano, Professor Estevão Vallaro, “se os cristãos, em geral,
empregassem, em defesa do bem, metade do esforço dos que lutam pelo erro e pelo
mal, com atrativos e maneiras que agradam, creio que o mundo seria mais feliz”.
Para difusão dessas ideias, os seus defensores têm
como meta a “desconstrução” da sociedade, começando por minar a família e, com
este intento, a educação dos filhos. (Nota Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da
Ideologia de Gênero).
Os bispos da Bahia e Sergipe enumeraram cinco
partes inconvenientes para educação consoante à ‘ideologia de gênero’.
Corroborando, como Pastor, as elenco aqui, apresentando-as com maiores
detalhamentos: 1) A confusão causada nos crianças no processo de formação de
sua identidade, fazendo-as perder referências acerca de uma salutar, biológica,
necessária e consuetudinária noção de paternidade e maternidade; 2) A
sexualidade precoce, na medida em que a ideologia de gênero promove a necessidade
de uma diversidade de experiências sexuais para formação do próprio “gênero”.
Pois, para tratar disto em sala de aula, por exemplo, as nossas crianças terão
de, o quanto antes, ingressar nas fases de um antecipado autoconhecimento
fisio-psicológico, pulando, destarte, etapas da puerilidade, desrespeitando a
sua devida maturidade; 3) Num contexto em que há um combate por parte da
sociedade como um todo, a 'ideologia de gênero' seria uma abertura perigosa
para a legitimação da pedofilia, que poderá também ser considerada um tipo de
gênero; 4) A banalização da sexualidade humana, aumentando a violência sexual,
sobretudo contra as mulheres e homossexuais. Este fato, associado ao uso
insensato da internet, poderá ser, maiormente, agravado; 5) A usurpação da
autoridade dos pais, em matéria de educação de seus filhos, principalmente no
tocante à moral e à sexualidade, já que todas as crianças serão submetidas às
influências dessa ideologia, muitas vezes sem o devido conhecimento e
consentimento dos pais, infringindo os valores cultivados pela sã educação
familiar, fruto também de suas convicções religiosas.
Meus
amigos e irmãos, esforcemo-nos para levar adiante a mensagem que dignifique a
família e salve a sociedade de uma terrível crise, de identidade inclusive. Que
nossa bondade, nossa palavra, nosso empenho no apostolado de Cristo-Verdade e
no zelo pelo futuro invadam o mundo. É uma cruzada santa, para a qual Cristo
pede o nosso coração, as nossas forças, a nossa capacidade e bom senso.
Imediatamente, procurem os vereadores, prefeitos e educadores, cidadãos e
eleitores, homens e mulheres de boa vontade, para que conversem, e, pelo
diálogo franco, seja mostrada a posição contrária da maioria das famílias sobre
a ‘ideologia de gênero’. Se nos entregarmos a esta árdua tarefa, não teremos
trabalhado em vão. Em simultâneo, o bom Deus ficará feliz com todos nós.
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
e Referencial da Pastoral Familiar NE 2
FAMÍLIAS CRISTÃS GERAM VOCAÇÕES PARA A IGREJA
Fala-se muito sobre crise vocacional na Igreja: isto é um fato. No meu entender, a causa da crise para o sacerdócio, para a vida consagrada e matrimonial é mais ampla do que se imagina, porque atinge, seriamente, a noção de vivência cristã. Não tenho dúvidas de que em todas as comunidades e em nossas dioceses, há certamente sementes vocacionais, faltando o ambiente propício para que elas floresçam.
A crise da vida cristã reflete-se, imensamente, na família que, por carência ou isenção de formação de consciências a partir do sacramento matrimonial e de tudo que dele dimana, não é muito estruturada. Neste sentido, vemos o crescente colapso e desdém daquilo que, outrora, era natural, ou seja, a visão de família cristã, quando o ambiente em que cresce a criança, o adolescente e o jovem, enfim, o indivíduo, não reflete o compromisso primariamente cristão, e disto, por seguinte, não se pode esperar do futuro das novas gerações uma resposta ao chamado de Deus. Confesso que tal realidade me preocupa como pastor. Se não dermos uma atenção devida, uma melhor base às famílias, se não apostarmos seriamente na formação dos casais, dando-lhes o apoio necessário à vida familiar, se não formarmos bem os jovens, mostrando-lhes o caminho da fé em Deus, não chegaremos a lugar algum e os valores humanos e cristãos jamais penetrarão no coração das pessoas. Muito pelo contrário, a desordem, o senso do trivial e do descartável, de uma irresponsabilidade existencial e do permissivismo adentrará feroz e destrutivamente para minar a base da sociedade e o nascedouro das vocações: a família.
A crise de vocação sacerdotal e vida consagrada é naturalmente o que reflete a crise ética, social e moral da própria comunidade cristã. Cito um exemplo: Pais e familiares que são batizados, portanto cristãos, ficam admirados quando um membro da família pensa em ser padre, freira, frade ou até mesmo em querer casar seriamente na Igreja. Este é um sinal de que algo vai muito mal na vivência pessoal da fé cristã católica. E do pessoal ao familiar, ao comunitário, ao social... Sentimos a “falta de valores”. Sem eles, como acima aferi, a família é afligida por primeiro. Sem famílias sadias, fortes na fé e nos valores humanos e cristãos, esta crise, que se expande nas diversas vocações, não será vencida. Tenho certeza: se trabalharmos melhor a Pastoral da Família, a tensão será vencida e as sementes vocacionais nascerão e se desenvolverão. O Papa Bento XVI citou certa vez que o Papa João Paulo II dizia “estar convicto de que as vocações crescem e amadurecem nas igrejas particulares, facilitadas por contextos familiares saudáveis e robustecidas pelo espírito da fé, de caridade e de piedade.” Daí, eu crer que onde as comunidades paroquiais investem na família, incluindo os casais e filhos, acabam por “despertar” a sociedade que dorme e entorpece a própria comunidade cristã. Isto cabe à diocese e, propriamente, às paróquias. Que os sacerdotes possam promover, com urgência, a Pastoral Familiar, despertando as famílias para a fé, e, como consequência, veremos o caminho da promoção da pastoral vocacional ampliar-se grandemente, facilitando o discernimento dos corações para o chamado sacerdotal ou para a vida consagrada ou ainda matrimonial. Recordo-me do que disse São João Paulo II: “A família é celeiro de vocações”. Mas, família de que tipo? Consciente de quem ela realmente é, e daquilo que ela piamente crê pela fé de seus membros numa adesão total a Cristo Jesus.
Como Bispo, questiono: A sua paróquia está valorizando devidamente a Pastoral da Família? Sei que há paróquias mais sensíveis e empenhadas ao trabalho da promoção familiar e vocacional; outras, entretanto, ainda precisam alertar-se para esta realidade que precisa de maior atenção por parte dos sacerdotes e leigos, pois se trata de uma grande lacuna que precisa de imediata solução à luz de Cristo, que continua a passar e a chamar, vocacionar. Eis o meu apelo: É preciso ver a dinâmica e a abertura que se dá para os jovens escolherem livremente o caminho a tomar. Uma boa pastoral familiar e vocacional se faz necessária envolvendo casais, sacerdotes, religiosos e jovens. Assim sendo, todas as vocações terão o devido lugar no panorama do serviço da Igreja diocesana. Esquivemo-nos da “pastoral da manutenção.”.
Concluo o nosso pequeno texto sobre o assunto tratado com o pensamento do
Papa Emérito Bento XVI: “Os homens […] sempre têm necessidade de Deus, também o nosso mundo tecnológico, e sempre haverá necessidade de pastores que anunciem sua Palavra e que façam encontrar o Senhor”.
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
e Referencial da Pastoral Familiar NE 2