Palavra do Bispo Referencial

ABERTURA DA 24ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR

DO REGIONAL NE2

 Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos

Tema: Vocação: Graça e Missão

 Camocim de São Félix (PB), 04/11/2021


 Inicialmente proponho aprofundar no sentido bíblico o tema proposto para esta nossa Assembleia. Vocação: graça e missão. Em seguida como exercer no âmbito familiar.Vocação: No Antigo Testamento, no hebraico, a expressão vocação é chamar pelo nome: “significa muitas vezes uma eleição, ou seja, uma vocação para determinada função. “Mas agora assim fala o Senhor que te criou, ó Jacó, e te formou, ó Israel: Não tenhas medo, pois eu te resgatei, chamei-te pelo nome, tu és meu!” (Is 43.1). Encontra-se também o verbo chamar. Em outros lugares, o convite de Deus para participar dos bens da salvação é descrito igualmente como uma espécie de vocação como vemos em Provérbios 1. 24 “Visto que vos chamei e recusastes, estendi a mão e ninguém fez caso”. Se Deus chama alguém é para o reservar para si. “... e se o povo, sobre o qual for invocado meu nome, se humilhar e rezar e me procurar e se converter de sua má conduta, então eu escutarei do céu e lhe perdoarei o pecado e restituirei a saúde da terra”, (2 Crônicas 7.14). No Novo Testamento, nos Evangelho fala-se muitas vezes num chamamento divino dirigido aos homens: “muitos foram chamados, mas poucos são os eleitos (Mt. 22. 14; 20; 16); (Ap 19,9); com essa palavra paradoxal Jesus quis, provavelmente, inculcar que a vocação nunca pode ser um motivo para o homem se gloriar diante de Deus, pois a vocação continua sempre uma mera graça de Deus. “... enquanto os filhos do Reino serão lançados as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes”; e ao oficial disse Jesus: “Vai e seja feito segundo a tua fé” (Mt. 8, 12-13). Jesus dirige-se aos futuros apóstolos (Mt. 4, 21), mas também aos pecadores (Mt. 9, 13). E prosseguindo, viu (Jesus) outros dois irmãos, Tiago filho de Zebedeu e João seu irmão. Na barca junto com o pai, Zebedeu, consertavam as redes. E os chamou”. (Mt 4, 21). Jesus chama também os pecadores: “ide e aprendei o que significam as palavras: Quero misericórdia e não sacrifícios. Porque não vim para chamar os justos, mas os pecadores” (Mt. 9, 13). Em São Paulo encontramos a ideia com profundidade de uma vocação divina. Os cristãos são “os chamados por Cristo”. “[...] mas poder e sabedoria de Deus para os chamados, quer judeus, quer gregos” (1cor. 1, 24). “Os chamados por Cristo”. “Por isso ele é mediador da aliança nova. Por sua morte expiou os pecados cometidos no decorrer da primeira aliança para que os eleitos recebessem a herança eterna que lhe foi prometida. (Hb. 9, 15). “Chamados para serem santos”. “A todos os amados de Deus, chamados santos, que estais em Roma, a graça e a paz sejam convosco, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1, 7). “chamados segundo a predestinação de Deus”. “Nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, dos que são eleitos segundo seus desígnios” (Rm 8, 28). 2 Poderíamos aprofundar muito mais sobre o chamado de Deus em nossas vidas, que na realidade, na concepção dos primeiros cristãos, e também para nós cristãos de hoje, este chamamento de Deus é uma intervenção real de Deus. Devemos viver a nossa vocação como filhos da luz. “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Andai, pois, como filhos da luz. O fruto da luz manifesta-se em toda bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor e não sejais cúmplices nas obras estéreis das trevas. Pelo contrário, condenais-as abertamente. Porque as coisas que estes homens praticam secretamente, é vergonhoso até falar delas. Mas tudo isso, uma vez manifesta na luz, fica descoberto e tudo o que é descoberto é luz. Por isso se diz: Desperta tu que dormes”. (Ef. 5, 8,14). Despertar, é está aberto a oração de Deus, do seu Espírito, ser fiel a missão para qual foi chamado em qualquer vocação, especialmente como família. Graça: A palavra graça, no Antigo Testamento não encontramos que exprima o sentido teológico. Já no Novo Testamento vamos encontrar muitíssimas vezes em São Paulo e São Pedro, bastante vezes em Hebreus, e nos dois escritos de São Lucas, nos demais livros, raramente: seis vezes nos escritos joaninos, uma vez em Judite. Não vamos entrar nos pormenores sobre a graça, mas é bom tornarmos consciência de que Jesus prega com insistência sobre a paternidade e o amor de Deus; o Pai Celeste mostra o seu amor a todos os homens, até aos pecadores. “Ouvistes que foi dito: amarás teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu porém, vos digo: amai vossos inimigos e orais pelos que vos perseguem, para serdes filhos de Vosso Pai que está nos céus. Pois Ele faz nascer o sol para bons e maus e chover sobre justos e injustos”. (Mt. 5, 43-45). Somos justificados pela graça de Deus. São Paulo que havia experimentado na sua própria vida o poder da graça divina e a importância da lei, era de modo especial chamado para desenvolver a Teologia da Graça. Como todos os homens, tanto judeus, como pagãos pecaram e estão privados da glória de Deus, eles são justificados “gratuitamente”, pela sua graça, em virtude da redenção por Cristo. Vejam o que São Paulo diz: “Pois todos pecaram e todos estavam privados da glória de Deus. Mas agora, são gratuitamente justificados pela graça, pela redenção em Jesus Cristo. Deus o destinou para sacrifício da expiação dos pecados mediante a fé em seu sangue. Assim queria manifestar a sua justiça. É que os pecados passados no tempo presente, provando que ele é justo e que justifica quem tem fé em Jesus. (Rom. 3, 23- 26). São Pedro vai na mesma ótica de Paulo. A salvação que Cristo trouxe pela sua morte de cruz e pela sua ressurreição é uma graça, um favor e Deus que é cheio de benevolência e de misericórdia. Pedro fala da Ação de Graças: “Bendito seja Deus e Pai e Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dos mortos, para uma herança incorruptível, incontaminada e imarcessível, reservada nos céu para vós.” (1 Pedro 1, 3-4). 3 Como cristãos devemos entender; o Cristão nasceu para uma vida imperecível, tudo o que contribui para a vida e para a piedade é dado ao cristão pela virtude de Deus ou de Cristo; a condição é que o cristão reconheça Deus (ou a Cristo) que o chamou por sua própria glória e virtude. É pela graça que o cristão é chamado, é por causa da graça que ele é favorecido com tudo o que é necessário para uma vida piedosa, com os devidos dons da graça. O derradeiro fim desta vocação é a participação da natureza divina. A comunhão com o Pai e o Filho: “O que vimos e ouvimos, nós também vos anunciamos a fim de que também vós vivais em comunhão conosco. Ora, nossa comunhão é com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas coisas para nossa alegria ser completa” ( 1 Jo 2, 3-4). O homem precisa de um nascimento do Alto, do espírito para entrar no Reino de Deus ou na vida. Este nascimento, dá-se no batismo. Quem nasceu de Deus guarda dentro de si a semente de Deus. Quem permanece n’Ele não peca e não pode ser pecador. Isso não quer dizer que o renascido seja moralmente infalível, mas que não peca e não pode pecar enquanto permanecer na comunhão com Deus e o pecado é incompatível com o princípio de vida divina que ele tem em si. São João não fala na impossibilidade de pecar, é evidente pelas admoestações dirigidas àqueles que se julguem sem pecado, e pelas suas repetidas exortações para não pecar e para permanecerem no amor de Cristo, no verdadeiro amor. “Que permaneça em vós o que tentes ouvido desde o princípio. Se permanecer em vós o que ouvistes desde o princípio, também vos permanecereis no Filho e no Pai: A promessa que nos fez é a vida eterna” (1Jo 2, 24-25). Em outras palavras é permanecendo na graça que herdaremos a Vida Eterna. Missão: Para entendermos o que representa a missão em nossas vidas, é preciso conhecermos um pouco dos enviados de Deus ao longo da história. Vamos começar o nosso entendimento pelos profetas do Antigo Testamento: “Eu te envio...” essa palavra é central em toda vocação profética: a vocação de Moisés – “E agora vai, que eu te envio ao Faraó para que libertes o meu povo, os israelitas, do Egito (Ex 3, 10). “Desde o dia em que vossos pais saíram do Egito até hoje, enviei-lhes todos os meus servos, os profetas, incansavelmente. (Jr 7, 25). A vocação de Jeremias: “Antes mesmo de formar no ventre materno eu te conheci; antes que nascesses, eu te consagrei e te constituí profeta para as nações” (Jr 1, 5). O povo escolhido por Deus, Israel, é chamado a se tornar o povo-farol de toda humanidade. Assim também, se ele é depositário do plano da salvação, é com missão de fazer participar os outros povos: desde a vocação de Abraão a ideia existia em germe, ela se vai precisando À medida que a revelação melhor revela as intenções de Deus. “Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Com teu nome serão abençoados todas as famílias da terra”. (Gn 12,3). O missionário por excelência, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, depois de João Batista, o último e maior dos profetas no Antigo Testamento, mensageiro divino e novo Elias anunciado por Malaquias. “... dentre os nascidos de mulher nenhum foi 4 maior do que João Batista. E, no entanto, o menor no reino dos céus é maior do que ele”. (Mt 11, 9). Jesus Cristo se apresenta aos homens como o Enviado de Deus por excelência. A parábola dos vinhateiros homicidas acentua a continuidade de sua missão com a dos profetas, mas assinalando também a diferença fundamental dos dois casos: depois de ter enviado seus servos, o Pai de família envia finalmente seu Filho (Mc 12, 2-8). Aquele que o enviou, isto é, o próprio Pai, que entregou tudo em suas mãos. “...quem receber este menino em meu nome; é a mim que recebe; e quem me recebe, recebe aquele me enviou. O menor de todos vós, esse é o maior”. (Lc. 9, 48). Todos os aspectos da obra redentora realizada por Jesus estão assim ligados a missão que ele recebeu do Pai, desde a pregação na Galileia até o sacrifício da Cruz. No desígnio do Pai, essa missão conserva no entanto, um horizonte limitado; Jesus não foi enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. (Mt. 15,24). É que estas ao se converterem, devem tomar elas próprias a consciência da missão providencial de Israel: dar testemunho de Deus e de seu Reino diante de todas as nações mundo. O único desejo de Jesus é “fazer a vontade d’Aquele que o enviou” (Jo 4, 34; 6, 38), realizar as suas obras, dizer o que dele ouviu (Jo 9, 4; Jo 8, 26). Quanto à Paixão, consumação de sua obra, Jesus vê nela a sua volta para Aquele que o enviou (Jo 7, 33; Jo 16, 5; Jo 17, 11). A fé que ele exige dos homens é uma fé na missão. Pela missão do Filho aqui na terra se revelou, portanto, a nós homens um aspecto essencial do mistério íntimo de Deus: o único enviando seu Filho, se deu a conhecer como Pai. Deus enviou seu Filho na plenitude dos Tempos para nos reunir e nos conferir a adoção filial (Gl 4, 4; Rom. 8, 15). Deus enviou seu Filho ao mundo como salvador, como propiciação por nossos pecados, a fim de que vivamos por ele; essa é a prova suprema do seu amor por nós (1 Jo 4, 9). Jesus é assim, o Enviado por excelência (Jo 9,7), o apóstolo de nossa profissão de fé (Hb 3, 1). A missão de Jesus se prolonga pela de seus próprios enviados, os Doze, que justamente por essa razão trazem o nome de Apóstolos. Eles são os operários enviados a messe pelo Senhor da mesma; são os servos enviados pelo Rei para trazer os convidados às núpcias de seu Filho. “Enviou os criados para chamar os convidados à festa mas eles não quiseram vir” (Mt. 22, 3). Os enviados não devem alimentar ilusões quanto à sorte que os aguarda: o enviado não é maior que aquele que o envia (Jo 13, 16); como trataram ao Amo, assim tratarão os servos (Mt 10,24). Jesus os envia como ovelhas no meio de lobos: Ele sabe que a “geração perversa” irá perseguir os seus enviados e mata-los. Sejamos fiéis Aquele que nos envia: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos rejeita a mim rejeita, e quem me rejeita, rejeita Aquele que me enviou” (Lc 10, 16). Após, resumidamente, termos viajado sobre Vocação, graça e missão a partir da Palavra no Antigo e no Novo Testamento, como aplicar tudo isso na sublime Missão 5 com a família? De forma bem simples tentarei pontuar afirmando de primeira que o Filho de Deus escolheu uma Família na terra. Portanto: 1) Que pensa Ele da família? 2) Que pede ou exige da Família? 3) Que dá Ele à Família? Espero que ao respondermos as três perguntas, cada um se situe como está vivendo a sua Vocação, graça e missão como família. 1) Que pensa, súdito de seus súditos – Um dia, aos 12 anos, no templo: “não sabeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai? Como se ocupou? Até os 30 anos dedicou-se ao trabalho, dócil e obediente, na família terrena. Mostrou, assim, que cada um deve começar sua vida cristã, sua santificação, na família. A gente se ocupa de Deus, principalmente, quando se ocupa e se preocupa pelos deveres familiares. O Messias veio levantar um templo a Deus, aqui na terra. Este santuário começou na família: a família é a raiz da humanidade, é a célula-mãe da sociedade, da sociedade e do Estado. O cristianismo nasceu na família, como a família deve seu renascimento ao cristianismo. Podemos dizer que o primeiro fruto da árvore do cristianismo foi a Sagrada Família. Com o exemplo de 30 anos em família, Jesus, mostra claramente a vontade de Deus de que os homens vivam unidos na Família, esta é a vocação da família, a unidade. De fato, Ele a santificou na humildade, no amor e, sobretudo, na obediência. São Vicente Ferrer contava que Nossa Senhora, de manhã cedo, tomava a ânfora (pote) para buscar água na fonte: José segui-a, para segurar a ânfora, tomando-a da mão dela, mas o Menino Jesus intervinha: “Vou eu buscar água!” – Senhor, por que cumpres estes trabalhos? Por que não se ocupam disso Maria e José?” Respondem: “Era o que queríamos, mas Ele não permitiu!” Por que o Menino Jesus? – para que os meninos de todos os tempos saibam que eu trabalho, e trabalhei ajudando os meus, em casa, antes de tudo... Mas, ademais, Cristo quis elevar a família à categoria sobrenatural, conferindo a união entre o homem e a mulher o caráter sacramental, a fim de formar uma família santa. É o pensamento divino por São Paulo: “Maridos, amai vossas esposas, como Cristo amou a Igreja e sacrificou-se por ela, a fim de purifica-la e santifica-la” (Ef. 5, 25-26). A união e a paz nas famílias são consequências de uma vida de fé, de esperança, e de amor, que se prolonga os efeitos sacramentais nos pais e nos filhos. Isso é graça de Deus! 2) Que quer Jesus das Famílias? 2.1 - Do pai: que seja bom e fiel marido, bom e fiel pai. Que seja verdadeiro chefe; que dê bom exemplo; que saiba rezar com os seus. São Nicolau de Flue teve dez filhos e alternava o trabalho com a oração.... 6 2.2 - Da mãe: que seja sujeita a tudo o que é reto e justo: humilde e forte; que seja mãe exemplar: dizem os sociólogos que, na história de todos os tempos, a família foi sempre guardada e garantida pela mãe; ela é quem caracteriza o bem ou mal, segundo seu próprio comportamento. “Mães santas, famílias santas!”. 2.3 – Dos Filhos: um Padre por nome Mc Nabb, falando a um menino, aconselhou- a imitar Jesus para fazer-se santo. O menino disse: é impossível – Por que? – porque Jesus tinha que obedecer a Nossa Senhora e a São José...mas, se tivesse que obedecer à minha mãe, e, pior, a meu pai, não sei, não... Certamente, em Nazaré, a obediência não devia ser difícil. Mas é preciso dizer também hoje os adolescentes deve saber ver nos seus pais os representantes de Deus: é numa visão sobrenatural de obediência que eles devem, e podem imitar a humildade e a submissão de Cristo. Só assim obterão o prêmio prometido no decálogo: “Honra teu pai e tua mãe, para que tenhas na terra uma longa vida”. E também acrescento, e no céu uma vida eterna. 3). Que oferece Cristo à família? “ A porta da casa de uma família está ungida com o sangue de Cristo”. Pelos merecimentos da Paixão de Cristo, não faltarão alegrias terrenas e celestes. Na missão familiar, Cristo oferece coragem e força para vencer as dificuldades e as preocupações; isso na oração em comum, na assistência a missa (também em comum) e na recepção dos sacramentos (penitência e comunhão). Uma das grandes promessas do Coração de Jesus: “Abençoarei as casas onde for exposta e venerada a imagem do meu coração”. Cristo oferece ajuda e conforto: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor” (Josué 24,15). E Deus não falou, socorrendo aquelas almas generosas. Socorre na pobreza, na dor, na tribulação todas as famílias que se esforçam por seguir os ensinamentos de Jesus no Evangelho. Só não as transformou no Céu porque o céu é na outra vida. O sofrimento é herança do pecado original, a que estão sujeitos também às famílias-modelo. Mas disse: “Vinde a mim, todos os que vos encontrais tristes e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Sim, Deus concede, aos homens de boa vontade, paz e consolações espirituais. Deus oferece, enfim, tranquilidade e bênçãos, para este tempo e para a eternidade. Mesmo sob o ponto de vista humano, verificamos que as famílias fiéis são felizes, unidas e coerentes, sobrenaturalizando o amor e tornando-o duradouro. A fé, na vida futura ajuda a família cristã sentir-se unida, mesmo e sobretudo no luto, certa que haverá um reencontro de todos, na base das promessas daquele Senhor ao qual se consagrou. Desejo votos de uma boa missão da família para todos os seus membros. Que alcem graças divinas para suas



ABERTURA DA 23ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR

DO REGIONAL NE2

 Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos

Tema: Em Família, "Pão em todas as mesas"

 Lagoa Seca (PB), 05/11/2021


Amados irmãos,

 

         Gostaria de iniciar essa reflexão com vocês meditando um pouco o Salmo 22:

“O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo. Preparais para mim a mesa à vista de meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias."

            Que mesa é esta que o Senhor, o Bom Pastor, prepara para nós? É precisamente a mesa do banquete da eternidade, da qual desfrutaremos um dia, na plenitude da vida, quando estivermos diante de Deus, mas é que começa no hoje de nossas vidas.

Sim, meus irmãos, o banquete do céu, que foi preparado para os filhos de Deus, cujo anfitrião é Ele mesmo, começa nesta vida e o Senhor vai nos dando a graça de participar mesmo que ainda não de maneira plena.

Participamos deste banquete todas as vezes que recebemos a Santa Eucaristia, presença real de nosso Senhor! É a antecipação sacramental da festa da eternidade, do domingo sem fim que viveremos na presença do Ressuscitado.

Mas também participamos desse banquete através dos outros sacramentos. Por exemplo, o que é a confissão, senão a festa do Pai Misericordioso que se alegre pelo filho que estava perdido e foi encontrado, estava morto e tornou a viver?

O batismo é banquete da eternidade pois naquele momento não é nossa cabeça que é lavada, mas nossa alma que se torna limpa do pecado original e recebemos a veste nova de filhos de Deus, a veste branca alvejada pelo sangue do Cordeiro que morreu e ressuscitou e nos acolhe para participarmos de sua vida. A veste do banquete!

A unção dos enfermos é banquete de eternidade pois nosso Senhor Jesus Cristo disse que quando fizermos uma festa, convidemos aqueles pobres e sofredores, doentes e necessitados. Portanto, para a festa preparada por Ele, esses são os primeiros convidados.

O sacramento da ordem é banquete de eternidade uma vez que o Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo, nos concede participar do Seu sacerdócio para trazermos Ele mesmo que é o pão da vida aos seus convivas.

O matrimônio é banquete de eternidade pois é prefiguração daquela união íntima e perfeita que as almas esposas viverão com o Esposo, o Cordeiro de Deus. Diz o livro do apocalipse que a Igreja resplandecerá como uma noiva vestida de linho puro, ornada e preparada para o seu esposo. Essa é a festa que aguardamos e que pedimos em cada Santa Missa: Maranatá! Vem, Senhor Jesus!

Assim, meus irmãos, quero lhes mostrar que o Senhor tem algo grandioso para nós, uma festa na eternidade que nunca se acaba. No entanto, Ele, que não está preso às contingências do tempo, permite que participemos no hoje de nossas vidas, apesar de nossos pecados e de nossa fragilidade, de Seu banquete, sobretudo através dos sacramentos pelos quais vamos nos santificando. É que chamamos na teologia de o “já e ainda não”. Já temos posse dessa realidade, mas ainda não plenamente.

Esse mistério deve causar em nós uma grande alegria e gratidão por tão grande amor de Deus manifestado. E nossa resposta deve ser precisamente de correspondência a esse amor.

Agora a pergunta é: como podemos corresponder a esse amor de Deus que prepara uma mesa para nós?

A resposta é o próprio Jesus que nos dá quando afirma que o maior mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas, de todo coração e de toda alma, com todo entendimento e com todas as forças e o segundo é amar ao próximo como a nós mesmos.

Estes dois mandamentos são como as margens do caminho que devemos trilhar em direção a Deus. Não podemos sair dessas margens, elas são o parâmetro para guiar nossa caminhada. E são inseparáveis.

São João afirma até de uma maneira dura na sua primeira carta que quem diz que ama a Deus a quem não vê, mas não ama o irmão a quem vê, é mentiroso!

Portanto, a maneira de respondermos a Deus por Seu Amor é amando a Ele e aos irmãos. Amar a Deus significa obedecer Seus mandamentos, seguir Sua palavra e participar de Sua vida, deixando que a vida dEle pulse em nós, entregando nosso coração a Ele a cada dia para que somente Ele seja nosso Senhor.

E amar aos irmãos significa uma ter a mesma atitude que Jesus teria para com todos. Amar os irmãos significa levar o amor de Deus a cada um deles, levar a Palavra do Evangelho que transforma a nossa vida, levar a força que vem dos sacramentos e também preparar para eles uma mesa, como o Senhor prepara para nós.

Dentre os nossos irmãos, temos aqueles que sofrem e passam necessidades das mais variadas ordens. Devem ser esses os nossos primeiros “convidados para a festa”.

Não podemos fechar nossos olhos e ficarmos indiferentes ao sofrimento dos nossos semelhantes, principalmente àqueles que não têm sequer o básico para sobreviver. São muitos irmãos nossos que não têm o pão de cada dia.

Não quero adentrar aqui em reflexões sociológicas das causas desses problemas, mas chamar atenção para nossa atitude cristã. Não podemos dizer que amamos a Deus se não fazemos nada para socorrer tantas famílias que não têm o alimento para si e para seus filhos, que não têm condições básicas de moradia, de higiene, de acesso à educação e ao trabalho.

Sempre os cristãos foram identificados por socorrer os irmãos, inclusive aqueles que não professam a mesma fé que nós. Quando se tem necessidade não se faz distinção. A fome é do cristão e do não cristão!

Nos primeiros séculos da Igreja, narram os historiadores, que os pagãos de Roma ficavam impressionados ao verem o amor com que os cristãos tratavam os pobres, os doentes, as viúvas, os órfãos, os presos e os excluídos. Isso lhes causava admiração e foi causa de conversão de muitos, pois diziam: vejam como eles se amam! Isso mesmo, meus irmãos, o amor dos cristãos pelos semelhantes era manifestado de tal forma que era testemunho e levava muitas outras pessoas a seguirem Jesus.

Infelizmente o contrário também existiu e existe: quando somos identificados como cristãos, mas nossas atitudes para com o próximo são de indiferença, isso causa um escândalo e é motivo para que outras pessoas não sigam Jesus. Quanto a isso iremos receber um julgamento severo, pois disse Jesus que seria melhor que se amarrasse uma pedra de moinho no pescoço e se lançasse no fundo do mar do que causar um escândalo!

A Igreja Católica é a maior instituição caritativa do planeta! São milhares de obras realizadas ao longo dos séculos em socorro dos irmãos, em todas as partes do mundo. São orfanatos e asilos, hospitais e escolas, enfim, incontáveis expressões da caridade.

Em nossa Diocese, por exemplo, me sinto muito feliz quando vejo as iniciativas dos padres, dos diáconos e dos leigos em levar o pão aos irmãos. São muitas pessoas nas diversas paróquias dos 61 municípios de nosso território que trabalham de dia e de noite para socorrer os mais necessitados. E o mais interessante é que as pessoas que mais se dedicam a esse trabalho são as que mais procuram aumentar o alcance dessas ações. Para essas almas caridosas, nunca é suficiente, nunca está bom, sempre tem que melhor, sempre tem que avançar. É a ousadia dos santos! Eles não se acomodam, não buscam conforto, mas a glória de Deus e o bem dos irmãos.

Madre Tereza de Calcutá foi perguntada por um repórter porque ela insistia em fazer aquilo pelos pobres se ela sabia que a pobreza do mundo não ia acabar e que o que ela fazia era apenas uma gota d´água no oceano e ela responde: mas sem essa gota d´água o oceano seria menor!

Meus irmãos, não somos nós que devemos calcular, medir e pesar o alcance e o valor do nosso trabalho, essa parte fica com Deus! Nossa parte é dar o melhor de nós, fazer todo esforço para que os sofrimentos das pessoas sejam aliviados, numa atitude evangélica, por causa de Jesus, por amor a Ele!

Irá acontecer em Recife no próximo ano o XVIII Congresso Eucarístico Nacional e o tema é justamente esse que estamos refletindo: “Pão em todas as mesas”. Essa motivação chama atenção para o vínculo inseparável da Eucaristia com a caridade fraterna. Ou seja, quem comunga o pão do céu que é Jesus, para se parecer mais com Ele, deve também levar o pão material aos irmãos.

A Eucaristia que celebramos, que comungamos, que adoramos, pois é presença real de nosso Senhor, deve nos mover a preparar uma mesa para os nossos irmãos, tanto uma mesa espiritual como uma mesa material para os que dela precisam.

Nós temos uma experiência muito forte aqui em Campina Grande. Por ocasião do dia mundial do pobre, nós realizamos no centro da cidade, no meio da rua, no meio da feira central, um momento com os moradores de rua. Celebramos a Santa Missa e em seguida partilhamos um jantar com eles. Sentamos à mesa, conversamos, partilhamos a vida, damos risada, comemos e agradecemos a Deus.

Os testemunhos são muitos. Alguns nos dizem: fazia muito tempo que eu não me sentava numa mesa para comer. Outros dizem: eu nunca tive um jantar assim!

Interessante é que quando estamos sentados, conversando, o Bispo, os padres, a equipe que prepara o momento e eles, não se fala tanto em problemas e em dificuldades, mas os assuntos são de alegria, são brincadeiras sadias, é um momento de alegria. A caridade tem essa força de extrair alegria mesmo das situações mais tristes!

O Papa Francisco nos lembra que muitas pessoas vivem em “periferias existenciais”. Isso amplia nosso olhar para perceber que os irmãos necessitados de nosso amor-caridade não estão só nas periferias geográficas. Ou seja, existe também a necessidade de outro pão.

Podemos citar como exemplo uma necessidade de muitas pessoas hoje, principalmente dos jovens e dos idosos: serem ouvidos. Muitas pessoas estão com doenças psicossomáticas, porque não são ouvidas. A palavra mais falada no nosso tempo é “ansiedade”. Isso tem maltratado muito o coração das pessoas. E nós podemos fazer a nossa parte, dedicando um pouco do nosso tempo a ouvir. Renunciando, por exemplo, um pouco do celular e das redes sociais, para ouvirmos as pessoas que estão precisando de nós.

O hino do Congresso Eucarístico diz: “na partilha seremos para o mundo, estandarte da Eucaristia”. Isso significa que quanto mais amor aos irmãos expresso em nossa caridade, nós tivermos, tanto mais seremos testemunhas da Eucaristia que celebramos.

No livro dos atos dos Apóstolos vemos o testemunho da Igreja primitiva: os cristãos tinham tudo em comum, partilhavam seus bens com alegria, era unânimes na oração, na celebração da Eucaristia e na caridade.

A Igreja não mudou! Somos o mesmo povo de Deus de Pentecostes! Portanto, nossa atitude deve ser a mesma.

Quando a Virgem Maria recebeu o anúncio do Anjo Gabriel que seria a Mãe do Salvador, após responder com amor a Deus, sua primeira atitude foi de partir apressadamente para servir sua prima que estava necessitada. Cheia do Espírito Santo, a atitude de nossa Senhora foi de caridade!

Que Ela nos ajude, a recebermos o Espírito Santo e que Ele nos impulsione a leva o amor de Deus aos irmãos através de atitudes concretas em nossa vida: preparar para todos um banquete!

Muito obrigado pela atenção de todos! 






ABERTURA DA 22ª ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR

DO REGIONAL NE2

 Palestra de Dom Dulcênio Fontes de Matos

Tema: A Palavra de Deus na vida da família.

 Campina Grande, 06/11/2020

Estimados irmãos e irmãs, que a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam com todos. Saúdo e acolho cada um de vocês para esta 22ª Assembleia da Pastoral Familiar do nosso Regional Nordeste 2. De maneira extraordinária, nos encontramos pela modalidade virtual, mas de igual modo estamos unidos pelo vínculo de Cristo e pelo desejo único de tornar a nossa atuação pastoral sempre eficaz, evangelizadora e transformadora.

Acolho os irmãos e irmãs agentes da pastoral familiar do Estado de Alagoas, do Pernambuco, do Rio Grande do Norte, especialmente aqui da Paraíba, e de modo mais particular os da minha Diocese de Campina Grande. Acolho o Pe. José Ediberto, referencial para Pastoral Familiar do regional. Desejo que os momentos oferecidos por esta assembleia sejam bem aproveitados e gerem em nós a esperança em meio aos difíceis tempos que enfrentamos.

Em nossa 55ª Assembleia de Pastoral da CNBB Regional Nordeste 2 a Palavra de Deus foi posta como pilar da vida eclesial do nosso Regional, em perfeita comunhão com a Assembleia Geral da CNBB e suas diretrizes evangelizadoras. Deste modo, a mesma Palavra de Deus será o coração da missão da Pastoral Familiar, a ser refletida nesta assembleia pelo tema: “Bem-aventurados, antes, os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam” (Lc 11,28).

Por ocasião do Concílio Vaticano II, em sua constituição dogmática sobre a Revelação Divina – Dei Verbum – a Igreja declara que “[...] é tão grande o poder e a eficácia encerrados na Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza na fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual” (DV 16). Em primeiro lugar, é preciso ter consciência clara de fé que a Palavra de Deus, antes de tudo, é uma pessoa, Jesus Cristo, o seu próprio Filho, a Palavra Eterna, o Verbo que se fez carne e, assumindo a nossa condição, habitou entre nós. Dito isto, todas as vezes que se fala da Palavra de Deus na vida da família, é preciso igualmente afirmar que cada um dos membros de um seio familiar, e a família como um todo, é convidada a fazer uma experiência de fé pautada no encontro e numa experiência autêntica, profunda e concreta com a pessoa de Jesus Cristo. Só em Cristo a família descobre o seu real significado, recobra o seu sentido e encontra o rumo quando desnorteada.

Contudo, bem sabemos que a Bíblia Sagrada é a composição escrita desta duradoura e forte Palavra divina, de modo que ela se torna a regra de vida para todo cristão, critério de discernimento de nossas escolhas segundo a vontade de Deus e fonte espiritual para cada um de nós. De modo mais perfeito, a família é lugar privilegiado para o cultivo, vivência e celebração da Palavra de Deus, à medida em que se torna locus propício para que a vontade divina se realize plenamente. O Papa Francisco na sua exortação apostólica Amoris Laetitia, sobre a alegria do amor na família, diz que “a Palavra de Deus é não só uma boa-nova para avida provada das pessoas, mas também um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos vários desafios que têm de enfrentar os cônjuges e as famílias” (AL 227).

Na certeza de que “a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela, [...] o povo de Deus encontrou sempre nela sua força e, também hoje, a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus (VD 3), do mesmo modo a família – que hoje enfrenta diversos desafios externos, mas também os que brotam da intimidade da convivência – necessita cada vez mais ter a clara e necessária certeza provinda da sapiência bíblica, que se dirige a Deus e afirma: “Tua Palavra é a lâmpada para meus pés, e luz para o meu caminho” (Sl 119,105).

Estimados pais e mães de família, queridos filhos e filhas, todos os que compõem a realidade familiar, olhem para a Palavra de Deus não como uma bibliografia de consulta entre tantas, não como uma letra morta, não como um livro de história mal contada, não como texto exclusivo para as celebrações litúrgicas, não como livro que se abre na estante ou se guarda na gaveta, não como um escrito de interpretação subjetivista, antes, olhem para a Sagrada Escritura como prova de amor de um Deus que se dirige a nós falando a nossa linguagem e deixando para os seus filhos o testamento de sua vontade e como verdade e caminho da salvação.

O apóstolo Paulo, em sua segunda carta a Timóteo exorta que “toda Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3,16), e nesta certeza de sua origem divina, Paulo indica sua utilidade, que podemos aplicar tranquilamente à realidade familiar: “[...] útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda obra” (2Tm 3,16-17). Por isso, que a Palavra de Deus é princípio que demarca a cadência da vida familiar em suas dores e alegrias.

Ao falar sobre a Igreja nas casas, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, apresenta o pilar da Palavra como essencial. Nisto, destaca que o testemunho dos Atos dos Apóstolos relata que a comunidade cristã se concentrava nas casas como lugar característico da reunião. Eram nas casas e, portanto, nas famílias que a Igreja deu seus primeiros passos. Era em família que “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42). Desde a gênese da Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, as famílias constituem-se como lugar do encontro com a Palavra de Deus.

O autor da carta aos Hebreus afirma que “a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma e espírito, juntas e medulas. Ela julga as disposições e as intenções do coração” (Hb 4,12-13). É preciso resgatar esta eficácia dos frutos provindos do cultivo da Palavra de Deus na família, é preciso redescobrir a vivacidade que dela brota para a vida familiar. De que modo isso pode acontecer?

1) Na Liturgia, a Palavra de Deus ocupa lugar de máxima importância, de tal modo que nenhuma celebração na Igreja deixa de lado a proclamação e meditação da Sagrada Escritura. Em razão disso, a dinâmica litúrgica da vida eclesial, especialmente as assembleias dominicais – celebração semanal do Mistério Pascal – se apresentam como oportunidades singulares das famílias se reunirem para escuta da Palavra, encontrando como frutos o crescimento espiritual, o ânimo para vida e para o testemunho cristão, o estreitamento do vínculo de pertença comunitária e o discernimento de regras práticas evangélicas para a vida. Como é bonito ver, sempre que possível, a família que junta e atenta se dispõe a escutar as leituras proclamadas e em seguida refletidas nas missas de domingo.

2) O cultivo perseverante de momentos de oração e espiritualidade em família devem ter sempre presente a Palavra de Deus. A oração familiar deve ser caracterizada como oração com a Palavra, especialmente através do aprofundamento e da reta acuidade da vontade de Deus nela revelada, tendo em vista a possível vivência de conflitos internos, desentendimentos, mágoas e distanciamento. O desejo é de que a Palavra de Deus se torne palavra da família, instrumento de maior diálogo, de mais transparência e máxima maturidade humana e espiritual. Um método muito proveitoso para fazer da Palavra de Deus o coração da oração familiar é a Lectio Divina, a leitura orante da Bíblia. Como nos diz o Papa Bento XVI na exortação Verbum Domini: “a inteligência das Escrituras exige, ainda mais do que o estudo, a intimidade com Cristo e a oração” (VD 86).

3) Não podemos esquecer do estudo aprofundado da Sagrada Escritura, que oferece às famílias um conhecimento mais seguro e, consequentemente, um amor mais acurado sobre a Palavra de Deus. Isso resulta no amadurecimento da fé e na estabilidade em sua defesa e mais perfeita vivência. Por isso, vale destacar a necessidade de se renovar os estudos bíblicos em todas as comunidades eclesiais missionárias, bem como em nível diocesano e regional.

5) As reuniões, encontros e celebrações dominicais das comunidades em que estão inseridas as famílias devem ser ancoradas na Sagrada Escritura, especialmente quando da ausência do ministro ordenado. A comunidade e toda a sua dinâmica deve ser espaço para o encontro com a Palavra de Deus, que muda a vida e dá o devido sentido de ser, agir, pensar e sentir da família segundo Jesus Cristo.

4) A Palavra de Deus deve ser o parâmetro de toda a atuação da Pastoral familiar em suas etapas, estruturas e situações, e ser esta mesma Palavra o ânimo dos seus responsáveis, como bem indicou a Exortação Apostólica Familiareis Consortio, de São João Paulo II. Como pastoral de ampla evangelização, deve ter como certeza que só há verdadeira evangelização quando se parte da Palavra de Deus, como nos diz o Papa Francisco ainda na Amoris Laetitia: “Toda a pastoral familiar deverá deixar-se moldar interiormente e formar os membros da igreja doméstica, através da leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura” (AL 227).

Por fim, como demonstrou a história da Igreja em seus dilemas, a reta vivência e interpretação da Sagrada Escritura se dá no seio da Igreja. Fora da Igreja nos tornamos passíveis de maiores erros na compreensão da verdade revelada. O mesmo se aplica às famílias: é junto da Igreja, na pertença à comunidade, na união mística com o Corpo de Cristo que a família sente-se verdadeiramente fortalecida pela escuta da Palavra. Nos diz o Papa São João Paulo II na sua exortação apostólica sobre a missão da família cristã no mundo de hoje: “É antes de tudo a Igreja Mãe que gera, educa, edifica a família cristã, operando em seu favor a missão de salvação que recebeu do Senhor. Com o anúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor” (FC 49).

Bem-aventura é a família que apegada à Palavra de Deus a ouve e, não obstante às limitações, procura fazer dela regra de vida. Concluo esta minha breve palestra de abertura desta assembleia consagrando todos os nossos trabalhos à Virgem Maria, ela que, na ocasião de uma festividade familiar, isto é, nas bodas em Caná, pediu que escutássemos todos a Palavra de seu Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Meu apoio constante como referencial da Comissão Regional Pastoral para a Vida e Família, e minha bênção de pastor.





PALAVRA DE ABERTURA NA 21ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA PASTORAL FAMILIAR
Caicó, 15 de novembro de 2019

Eucaristia: alimento das famílias

         Ao ser-me solicitado pelos organizadores deste evento falar como a Eucaristia alimenta as família, creio que esta temática seja muito mais que pertinente, até porque a Eucaristia, na vida do cristão, é um elemento insubstituível, um elemento essencial. Para tanto, dividiremos esta nossa reflexão em dois momentos: no primeiro, ao tomar um texto do Antigo Testamento, do Livro de Josué, mais exatamente, quero questionar acerca da opção fundamental da família e de seus integrantes; posteriormente, tomando os Atos dos Apóstolos, o Novo Testamento portanto, acenaremos o despertar da consciência da família para a fé e para tudo o que ela trás, inclusive a realização da família na vida ativa da Igreja, e, a partir desta vivência (uma vivência eucarística), como deve se nortear no mundo, na sociedade.
 
Tomemos o primeiro texto: Leitura do livro de Josué (24,1-18): "Josué convocou a Siquém todas as tribos de Israel, seus anciãos, seus chefes, seus juízes e seus oficiais. Eles apresentaram-se diante de Deus, e Josué disse a todo o povo: 'Eis o que diz o Senhor, Deus de Israel: Outrora, vossos ancestrais, Taré, pai de Abraão e de Nacor, habitavam além do rio e serviam a deuses estrangeiros. Tomei vosso pai Abraão do outro lado do Jordão e conduzi-o à terra de Canaã. Multipliquei sua descendência e dei-lhe Isaac, ao qual dei Jacó e Esaú, e dei a este último a montanha de Seir; Jacó, porém, e seus filhos desceram ao Egito. Depois mandei Moisés e Aarão e feri o Egito com tudo o que fiz no meio dele; e, em seguida, vos tirei de lá. Fiz sair vossos pais do Egito e, quando chegastes ao mar, os egípcios perseguiram vossos pais com carros e cavaleiros até o mar Vermelho. Os israelitas clamaram ao Senhor, o qual pôs trevas entre vós e os egípcios, e fez vir o mar sobre eles, cobrindo-os. Vistes com os vossos olhos o que fiz aos egípcios, e depois disso habitastes muito tempo no deserto. Conduzi-vos em seguida à terra dos amorreus, que habitavam além do Jordão. Eles combateram contra vós, mas eu os entreguei em vossas mãos; tomastes posse de sua terra e eu os exterminei diante de vós. Balac, filho de Sefor, rei de Moab, combateu contra Israel. Mandou chamar Balaão, filho de Beor, para vos amaldiçoar. Mas eu não quis ouvir Balaão, e ele teve de vos abençoar; e tirei-vos da mão de Balac. Passastes o Jordão e chegastes a Jericó. Combateram contra vós os homens dessa cidade, bem como os amorreus, os ferezeus, os cananeus, os hi­teus, os gergeseus, os heveus e os jebuseus, e eu os entreguei todos nas vossas mãos. Mandei adiante de vós vespas que expulsaram os dois reis dos amorreus, não com a vossa espada, nem com o vosso arco. Desse modo, dei-vos uma terra que não lavrastes, cidades que não construístes, onde agora habitais, vinhas e oliveiras que não plantastes, das quais comeis agora os frutos. Agora, pois, temei o Senhor e servi-o com toda a retidão e fidelidade. Tirai os deuses que serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi o Senhor. Porém, se vos desagrada servir o Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses, a quem serviram os vossos pais além do rio, se aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Porque, quanto a mim, eu e minha casa serviremos o Senhor'. O povo respondeu: 'Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir outros deuses. O Senhor é o nosso Deus, ele que nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da servidão; e que operou à nossa vista maravilhosos prodígios e guardou-nos ao longo de todo o caminho que percorremos, entre todos os povos pelos quais passamos. O Senhor expulsou diante de nós todas essas nações, assim como os amorreus que habitam na terra. Nós também, nós serviremos o Senhor, porque ele é o nosso Deus'".

Situemo-nos no texto ora proclamado. O povo de Israel, após uma longa jornada de quarenta anos, deserto à fora, acabava de chegar na Terra Prometida, àquela que havia sido chamada de "Terra de onde brota leite e mel" (cf. Ex 33,3). Cansados, porém animados, aquelas pessoas estavam diante do novo, da ânsia em se estabelecerem ali, abraçando para si aquele que era projeto divino, um plano de amor, que se transformou em vocação para Moisés e, a partir deste, para uma coletividade.

Chegados porém, são rememorados pelo novo patriarca Josué (que havia recebido do próprio Deus as palavras que lhes diria), numa espécie de discorrimento histórico, o que na Teologia denominamos "anamnese". E do que são relembrados? Da fidelidade de Deus naquele empreendimento exigente, tanto para o povo na sua limitação, quanto para Deus no Seu imensurável amor. Diante de um povo sofrido, mas de "cabeça dura" (cf. Ex 33,5) e de coração dividido. Creio que este seja um retrato de muitas das famílias de hoje, provenientes do deserto perigosíssimo, traiçoeiro e exigente do mundo. Muito embora as roupas dos israelitas não se desgastaram, tampouco as suas sandálias (cf. Dt 29,5), as nossas famílias correm sério risco de peregrinarem sob a exaustão, sob o sol causticante do fulgor impiedoso das ondas do modernismo, inclusive da velocidade das informações, do isolamento, enfim, de tantas e tantas situações desagradáveis que provocam o descaimento da família, pequeno núcleo do povo de Deus, mas, sempre querido por Ele.

Resgatada pelo Senhor do feroz deserto deste mundo, e não, simplesmente, conduzida por Moisés ou por Josué, mas pelo próprio Deus, na pessoa de Sua Igreja, a família cristã é, libertada e prestes a pré-degustar da plenitude da verdadeira terra de onde brota leite e mel, o Céu pelo Banquete Eucarístico, indagada, seriamente: - Família, a quem quereis servir? A resposta poderá vir pronta. Quem sabe até como muitos daqueles que escutavam Josué. A correspondência deverá, entretanto, ser sincera e consciente. E muito mais do que uma resposta com data de expiração, deverá ser um sério programa de vida a ser abraçado por todos os membros, por todos os seus integrantes: - Eu e minha casa, serviremos o Senhor. E, mesmo entre percalços, mesmo sob tentações variadas que sugere o abandono do ideal do serviço ao Senhor, serviço que não deve comportar rivais para Deus.

Convido-os, meus caros, a que passemos a um outro pensamento: clara a convicção, como fruto de uma conversão coletiva, conversão esta que nunca deve ser finalizada ou interrompida, uma convicção, uma conversão de toda a família, que não dispensa nenhum de seus membros, é preciso que ela dê um outro passo: o de abeirar-se da vida da Igreja, inclusive dos seus Sacramentos. Para tanto, desejo ler com vocês um texto dos Atos dos Apóstolos, ou seja, já do Novo Testamento (16,14-34): "Uma mulher, chamada Lídia, da cidade dos tiatirenos, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava. O Senhor abriu-lhe o coração, para atender às coisas que Paulo dizia. Foi batizada juntamente com a sua família e fez-nos este pedido: 'Se julgais que tenho fé no Senhor, entrai em minha casa e ficai comigo'. E obrigou-nos a isso. Certo dia, quando íamos à oração, eis que nos veio ao encontro uma moça escrava que tinha o espírito de Pitão, a qual com as suas adivinhações dava muito lucro a seus senhores. Pondo-se a seguir a Paulo e a nós, gritava: 'Estes homens são servos do Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação'. Repetiu isto por muitos dias. Por fim, Paulo enfadou-se. Voltou-se para ela e disse ao espírito: 'Ordeno-te em nome de Jesus Cristo que saias dela'. E na mesma hora ele saiu. Vendo seus amos que se lhes esvaecera a esperança do lucro, pegaram Paulo e Silas e levaram-nos ao foro, à presença das autoridades. Em seguida, apresentaram-nos aos magistrados, acusando: 'Estes homens são judeus; amotinam a nossa cidade e pregam um modo de vida que nós, romanos, não podemos admitir nem seguir'. O povo insurgiu-se contra eles. Os magistrados mandaram arrancar-lhes as vestes para açoitá-los com varas. Depois de lhes terem feito muitas chagas, meteram-nos na prisão, mandando ao carcereiro que os guardasse com segurança. Este, conforme a ordem recebida, meteu-os na prisão inferior e prendeu-lhes os pés ao cepo. Pela meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros os escutavam. Subitamente, sentiu-se um terremoto tão grande que se abalaram até os fundamentos do cárcere. Abriram-se logo todas as portas e soltaram-se as algemas de todos. Acordou o carcereiro e, vendo abertas as portas do cárcere, supôs que os presos haviam fugido. Tirou da espada e queria matar-se. Mas Paulo bradou em alta voz: 'Não te faças nenhum mal, pois estamos todos aqui'. Então, o carcereiro pediu luz, entrou e lançou-se trêmulo aos pés de Paulo e Silas. Depois os conduziu para fora e perguntou-lhes: 'Senhores, que devo fazer para me salvar?'. Disseram-lhe: 'Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família'. Anuncia­ram-lhe a Palavra de Deus, a ele e a todos os que estavam em sua casa. Então, naquela mesma hora da noite, ele cuidou deles e lavou-lhes as chagas. Imediatamente foi batizado, ele e toda a sua família. Em seguida, ele os fez subir para sua casa, pôs-lhes a mesa e alegrou-se com toda a sua casa por haver crido em Deus."

Nesta passagem, temos dois exemplos de famílias, outrora transeuntes pelas sendas 'desérticas' do mundo, que abraçaram a fé mediante o anúncio de Paulo e Silas. E, no segundo caso apresentado pelos Atos dos Apóstolos, um demonstrativo mais esboçado, mais descritivo de um lar que opta por Deus, abrindo-se à fé, norteando-se por aquilo que escolheu, ou mesmo por aquilo a que foi escolhido "Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi e vos designei" (Jo 15,16). Do medo à fé, o carcereiro de Filipos e a sua família abraçam o Cristo, ao que se permitiram abraçar por Ele. E vejam como é encerrada a cena: com a ceia. Entretanto, não um simples jantar, mas a ceia do ágape fraterno, a Eucaristia.

Encarando a Igreja como uma grande casa, onde a família de Deus se reúne, entendemos a importância da Eucaristia como “lugar” onde a fé dos filhos da Igreja é alimentada através dos divinos alimento e bebida, através do Corpo e Sangue de Jesus, portanto. Sim, a Igreja é Mãe porque Deus é Pai. E por gerar-nos e zelar-nos na fé, sem prejuízo algum, comparativamente, dizemos: a “Domus Ecclesiae” (a Casa da Igreja) é nosso lugar.

A Igreja deve ser família onde também as famílias se encontram. Igreja: família de famílias; família de Cristo composta por famílias que têm Cristo como o seu eixo. “Nos Evangelhos, a assembleia de Jesus tem a forma de uma família, e de uma família hospitaleira, não de uma seita exclusiva, fechada […] Os próprios discípulos são eleitos para cuidar desta assembleia, desta família dos hóspedes de Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de 2015). Creio que, com este sublinhar do Papa Francisco acerca da tarefa que os discípulos de Jesus, os seus Apóstolos, possuem, é que nós, imerecidos pastores da Santa Igreja, entendemos a curatela que nos é cabida no lidar com as famílias. Por sermos pastores da grande “família de Deus” (cf. Ef 2,19), igualmente nos urge o dever de assistir às famílias. Não um assistir no transitivo direto, como espectadores, mas com o verbo no transitivo indireto, que inculca a ideia de socorro, de proteção. Velemos pelas famílias com o mesmo ardor que velamos as paróquias, as dioceses, porque o contexto familiar lhes é integrante: “a família e a paróquia são os dois lugares onde se realiza aquela comunhão de amor que encontra a sua derradeira fonte no próprio Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de 2015). Logo, se nos preocupa como vivem as famílias, se no amor, se em Deus, estaremos prezando por sua origem, meio e destino.

As famílias são chamadas à grande família Igreja para, alimentadas pela Eucaristia, entenderem-se na sua missão no mundo, para unir os seus membros, formando, assim, uma verdadeira comunhão de amor entre os seus componentes. E mais: a Eucaristia alimenta as virtudes peculiares e necessárias às famílias cristãs. Por isso, é que o Papa São João Paulo II, na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, associa a Eucaristia e família com as seguintes palavras: “A Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico, de fato, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada com o sangue da sua Cruz. Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente plasmada e continuamente vivifica a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício do amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é a fonte de caridade. E, no dom eucarístico da caridade, a família cristã encontra o fundamento e a alma da sua ‘comunhão’ e ‘missão’: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da comunidade familiar um único corpo, revelação e participação na mais ampla unidade da Igreja, a participação, pois, no Corpo ‘dado’ e no Sangue ‘derramado’ de Cristo, torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário e apostólico da família cristã” (n. 57).

É a partir do fulgor da Eucaristia, celebrada pelas famílias cristãs como nobilíssimo evento, que as outras dimensões de um lar são iluminadas. No descanso, no lazer, na convivência, e, depois, também no trabalho, nos estudos e nos demais afazeres, a celebração dominical dos divinos mistérios na Santa Missa deverá nortear a vida dos integrantes desta proto-sociedade vital denominada família. Tecendo sobre a santificação do Dia do Senhor, o Domingo, Sua Santidade, São João Paulo II, também observa: “Se a participação na Eucaristia é o coração do domingo, seria, contudo, restritivo reduzir apenas a isso o dever de ‘santificá-lo’. Na verdade, o dia do Senhor é bem vivido se todo ele estiver marcado pela lembrança agradecida e efetiva das obras de Deus. Ora, isto obriga cada um dos discípulos de Cristo a conferir, também, aos outros momentos do dia passados fora do contexto litúrgico – vida de família, relações sociais, horas de diversão –um estilo tal que ajude a fazer transparecer a paz e a alegria do Ressuscitado no tecido ordinário da vida. Por exemplo, o encontro mais tranquilo dos pais e dos filhos pode dar ocasião não só para se abrirem à escuta recíproca, mas também para viverem juntos algum momento de formação e de maior recolhimento” (Carta Apostólica Dies Domini, 52).

Pela Eucaristia, as famílias se compreendem como Belém, cujo nome significa 'Casa do Pão', do Pão-Cristo. E, pela oração em família, principalmente quando da bênção da mesa, onde o alimento e a vida são partilhados entre os membros do lar e, pela espiritualidade na sua dimensão vertical, com Deus; quem sabe até trazendo, em continuidade, para dentro de casa, a presença de Cristo, Palavra encarnada no Pão Eucarístico. Pela Eucaristia, as famílias igualmente se identificam como Nazaré, onde o próprio Deus Se integra, convive conosco. Daí é que o Papa São Paulo VI, em sua visita a Nazaré, no ano de 1964 - o primeiro pontífice que, depois de muitos séculos, visitou a Terra Santa -, disse: "Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo. Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo". Seja Jesus presente, pela Eucaristia que a família recebe ao menos aos domingos, em cada lar. E, como na casa de Pedro, em Cafarnaum, cure a todos (cf. Mc 1,29-31; Lc 4,38-41; Mt 8,14ss.). E, por fim, pela consciência eucarística, as famílias devem se identificar com Jerusalém, lugar de entrega, de imolação, de alegria, de amor, tal como o Calvário, a Ressurreição e Pentecostes nos inspiram.

“Uma mulher sábia edifica a sua casa” (Pr 14,1). Muito embora a Escritura assim garanta, não deve recair apenas sobre a mãe de família ou sobre as outras mulheres do lar o dever de santificar a sua casa, a sua família; esta atenção deve ser praticada por todos: pais e mães, filhos e filhas. A Eucaristia deve eivar as famílias, e, nisto santificá-las. Que aprendendo com a Sagrada Família, que tinha o Templo e as suas obrigações religiosas como necessidade de seu lar, as nossas famílias se primem para, na frequência à Igreja, alimentando-se da Eucaristia, inserir-se na comunidade de amor, a grande família de Deus, e, da mesma Igreja, se sintam responsabilizados.

Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Campina Grande e
Referencial da Pastoral Familiar




PALAVRA DE ABERTURA PARA A 20ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA PASTORAL VIDA E FAMÍLIA
(Maceió, 16 de novembro de 2018)
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Campina Grande - PB

FAMÍLIA: SOIS A ESPERANÇA DA IGREJA E DO MUNDO

É inevitável tratar desta temática não tendo como base o que o Apóstolo São Paulo – que muito exorta a uma sadia convivência familiar – escreve à comunidade de Roma, como imperativo: “Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração” (Rm 12,12). Este recado, longe de ter ficado no passado, é uma ordem que muito encoraja as famílias cristãs, especialmente as da ‘hora atual’.

A partir do que anima São Paulo, como profetiza dos nossos tempos, a Igreja de Cristo, por meio do seu Magistério, muito tem apontado para situações periclitantes que exigem da família as virtudes, dentre elas, a da esperança. Os Papas muito têm se debruçado sobre os desafios, não na crítica pela crítica, mas assinalando tempos novos, soluções que são passíveis ao esforço dos membros da Igreja doméstica. Nesta ocasião, trago a luz o que o Romano Pontífice, Papa Francisco, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Amoris Laetita”, longamente nos apresenta como “A realidade e os desafios das famílias”, no capítulo segundo do documento.

Em primeiro lugar, Francisco insiste na importância da família como base social, conscientizando-nos ainda mais como as saudáveis relações familiares plasmarão os convívios sociais igualmente salutares. Porém, não olvida de que, diante dos empecilhos que exigem da família, o Espírito Santo apresenta a doce vontade de Deus, mostrando-a nas vicissitudes da história, da nossa vida pessoal e familiar. Daí é que escreve o Papa: “O bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja. […] É salutar prestar atenção à realidade concreta, porque ‘os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história’ através dos quais ‘a Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profunda do inexaurível mistério do matrimônio e da família[1] (AL 31).

Mesmo com o desejo de denunciar algumas situações degradantes às famílias cristãs, o Santo Padre tem ciência de que não conseguirá abarcar a problemática completamente. Haja vista a pormenorização dos problemas ser uma atividade de grande alcance, porque muitas são as sombras que obscurecem as famílias nos dias atuais. Entretanto, como pastor sensível às necessidades das ovelhas que lhes foram confiadas por Cristo, Supremo Senhor da Santa Igreja, o Sucessor de Pedro, numa espécie de reconhecimento, que já o faz desculpar-se antecipadamente por não conseguir esgotar a discussão, atreve-se a fazê-lo, arriscando-se, tal como o Pastor que, deixando as noventa e nove ovelhas em segurança, arrisca-se para salvar a que se perdeu (cf. Lc 15,1-10). Daí, é que segue: “Não tenho a pretensão de apresentar aqui tudo aquilo que poderia ser dito sobre os vários temas relacionados com a família no contexto atual. Mas, dado que os Padres sinodais ofereceram um panorama da realidade das famílias de todo o mundo, considero oportuno recolher algumas das suas contribuições pastorais, acrescentando outras preocupações derivadas da minha própria visão” (AL 31).

O Santo Padre reconhece o contexto de mudança de época hoje experimentado. Algo que já vai bastante avançado. Daí, neste “aggiornamento”, nesta atualização da mensagem evangélica, não é ocasião de a Igreja ‘reinventar’ o Evangelho – empreendimento que não está na sua alçada, porque ela recebeu a Revelação de seu próprio Fundador, Esposo e Senhor. Mas, como Mãe solícita, a Santa Igreja deverá responder e iluminar as situações do nosso hoje. E como o fará? Incrementando a sua pastoral, que muito se preocupa com os lares cristãos, sem trair o querido por Jesus, repelindo o que constrange a mensagem do Evangelho, e que é, muitas vezes, apregoado pelo mundo. Chamemos esta atitude da Igreja de ‘suspense’, onde sem deixar de lado a sua identidade, doada por Cristo, terá de dar uma palavra de fé, esperança e amor às vidas que desejam ser ressignificadas, rumo à salvação. E, resgatando as preocupações dos bispos espanhóis no término dos anos setenta, Francisco observa: “Nem a sociedade em que vivemos nem aquela para onde caminhamos permitem a sobrevivência indiscriminada de formas e modelos do passado” (AL 32). Logo, não há possibilidade de retroagir a situação dos desafios que inquirem a família, principalmente pelo fato da secularização tão em voga, e que, com os seus ditames, vai-se imiscuindo nos corações, nas relações, inclusive. Entretanto, a Igreja, vigilante, não deseja permitir que a situação seja encarada irracionalmente, acriticamente. Esta razão e esta crítica, tão necessárias para a iluminação e o discernimento das famílias, não estarão em outra realidade senão na Pessoa de Jesus, que nos fala aos corações por meio do Seu Evangelho, pregado, incansavelmente, pela Igreja. Aqui está, portanto, a preocupação de ser a Santa Esposa de Cristo custódia da salvaguarda das famílias, apontando tudo que lhe vai de encontro, inclusive novidades estranhas e nocivas ao lar cristão.

Capitaneia as preocupações de Francisco o fato do individualismo exagerado em detrimento do sentido comunitário da família. E, para isto, sublinha, exemplificando: “De fato, em muitos países onde diminui o número de matrimônios, cresce o número de pessoas que decidem viver sozinhas ou que convivem sem coabitar. Podemos assinalar também um louvável sentido de justiça; mas, mal compreendido, transforma os cidadãos em clientes que só exigem o cumprimento de serviços. Se estes riscos se transpõem para o modo de compreender a família, esta pode transformar-se num lugar de passagem, aonde uma pessoa vai quando lhe parecer conveniente para si mesma ou para reclamar direitos, enquanto os vínculos são deixados à precariedade volúvel dos desejos e das circunstâncias. No fundo, hoje é fácil confundir a liberdade genuína com a ideia de que cada um julga como lhe parece, como se, para além dos indivíduos, não houvesse verdades, valores, princípios que nos guiam, como se tudo fosse igual e tudo se devesse permitir. Neste contexto, o ideal matrimonial com um compromisso de exclusividade e estabilidade acaba por ser destruído pelas conveniências contingentes ou pelos caprichos da sensibilidade. Teme-se a solidão, deseja-se um espaço de proteção e fidelidade, mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais” (AL 33-34).

Neste sentido, reflito: como os “achismos” pessoais têm adentrado, com força, na vida em família, principalmente na preparação para o Matrimônio. E, se o Papa exemplifica, também o faço: como tem crescido o número de casamentos religiosos com efeito civil em que no regime de partilha está escrito: separação total de bens! Isso retrata a falta de compromisso com a comunhão de vida que aqueles dois candidatos ao Matrimônio têm. E, se assim começam, como não terminarão? Se não são capazes de compartilhar os bens, como compartilharão a vida? Não seria, porventura, um casamento com prazo de validade?

Aponto para outra situação que nós, pastores (em especial os bispos em suas respectivas dioceses), temos que nos atentar: como são adicionados ao Rito do Matrimônio tantos elementos subjetivistas, não respeitando a índole sacra do que se celebra! Plaquinhas com frases tolas, esdrúxulas, animais como porta-alianças, músicas profanas que adentram nos rituais, atrasos para “impactar”, “cerimonialistas” que, pouco ou nada sabendo de Liturgia, enfeitam grotescamente o que não cabe enfeites por ser ação divino-sacramental… E o pior que muitos assistentes, clérigos, são cúmplices, são complacentes aos festivais descabidos. Isto, no momento anterior ao matrimônio, reflete os individualismos que nortearão o casal que, diante do altar de Deus, entre “plumas e paetês”, jurarão amor, respeito e fidelidade por toda uma vida, talvez como acessórios.

E, se, por um lado, temos noivos que ‘subjetivizam’ o objetivo, individualizando-o, igualmente crescente é o número dos que se põem alheios ao dom do Matrimônio e da vida familiar por completo. Mas, em ambos os casos, o que faltou por parte da Igreja? Será que não nos caberia uma melhor catequese, para, esclarecendo os nossos jovens, os que desejam aderir ao Matrimônio como estado de vida pudessem ter convicções firmes? É aqui, meus queridos irmãos, que entra a importância das pastorais e movimentos da Igreja que lidam e cuidam das famílias, na preparação das suas colunas, inclusive. Todavia, não nos enganemos: também é uma observação premente aos que, como cristãos de fé, são pais e mães de família. Por vezes, esta catequese existe enquanto potencial, mas não na casa daqueles que estão engajados na Pastoral Familiar e outros. É algo grave tal denúncia! Vocês também são catequistas no recôndito doméstico. E o Papa constata: “Temos dificuldade em apresentar o matrimônio mais como um caminho dinâmico de crescimento e realização do que como um fardo a carregar a vida inteira” (AL 37).

O Santo Padre também nomeia outras preocupações suas: a decadência cultural que não promove o amor e a doação; a afetividade narcisista, promotora de imaturidade, que faz com que se busque relações virtuais – e por isso, falsificadas, ilusórias – como obtenção de prazer (pornografia, comercialização do corpo, prostituição, etc.); mentalidade antinatalista, que eclipsa o fato de ver a procriação como dom de Deus e como sustentada pela Divina Providência, sempre baseada na paternidade responsável (o que, por vezes, em nosso Brasil, não acontece por causa dos programas sociais onde o pobre recebe benefícios de acordo com a quantidade de filhos, por exemplo); a miséria; a falta do senso religioso no seio dos lares e no seu cotidiano; e tantas outras situações adversas à saudável vida familiar.

E se, em nossa análise, nos deparamos com muitas sombras que obscurecem e visam desanimar a vida e as relações familiares, encontramos uma luz coruscante como resposta a tudo o que atormenta e aflige: Jesus Cristo.

Com toda a justiça, São Paulo, escrevendo ao Bispo São Timóteo a sua Primeira Carta, constatará: “[…] se nos afadigamos e sofremos ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, sobretudo dos fiéis” (4,10). Sim, o Senhor Jesus Cristo é a nossa esperança (cf. 1Tm 1,1). E, como pusemos em Deus o nosso anseio por esta virtude, a família tradicional será forte obstáculo frente a ação da deturpação do querido por Deus, tal como, a todo custo visa o demônio, em suas estruturas, fazer.  Jesus é luz de esperança que revela à família cristã a sua identidade, a sua missão e a sua importância para a obra de santificação, porque a realidade familiar se estabelece no seio, no coração da vida da própria Igreja.

Recordando a conclusão feita pelos Padres sinodais quando do duplo Sínodo para as famílias – o único Sínodo bipartido da história da Igreja (2015-2016), o Papa Francisco recapitula: “Jesus, que reconciliou em Si todas as coisas, voltou a levar o matrimônio e a família à sua forma original (cf. Mc10, 1-12). A família e o matrimônio foram redimidos por Cristo (cf. Ef  5, 21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde brota todo o amor verdadeiro. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a revelação plena do seu significado em Cristo e na sua Igreja. O matrimônio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até à realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19, 9)” (AL 63).

Faz-se, portanto, urgente que os membros da família cristã, que, com integridade, desejam viver a clareza da fé e dos costumes, tal como deixou-nos o Senhor (e a Sua Igreja, fielmente, o resguarda), que, pela esperança, não se furtem a se desgastarem, confiantes de que Deus os recompensará nos esforços de solidificar a sua família na verdade, condutora à vida e à felicidade. Para tanto, diante de tantos desafios, sintam em si mesmos aquela experiência que o Senhor Ressuscitado oferece aos Seus Apóstolos, à Sua Igreja, quando lhes aparece no radioso Domingo de Páscoa: “Não temais!” (Mt 28,10). Sim, o medo nos paralisa, nos entorpece, nos trava. Mas, se estamos com Jesus, o que haveremos de temer? Que vocês sintam o Senhor, constantemente, a dizer-lhes: “Não temais!”.

Se as famílias de fé esclarecida viverem no encorajamento de Cristo, que lhes diz, “Não temais!”, as suas convicções e coragem serão reluzentes no mundo, tornando-se sinais para tantas e tantas outras, que, vivendo sem esperança – e, portanto, desesperadas – precisam de um modelo a ser seguido, necessitam de ajuda, carecem de testemunhas. Se as famílias carentes virem os sinais de amor, de comunhão, de compreensão, de perdão, de união, de doação, de sadia educação dos filhos, de fé, logo, absortas, poderão querer firmar-se na experiência que outros fizeram e deu certo. E, assim, se deixarão, cativar por Jesus. Será que isso não se constitui famílias evangelizando famílias, quando um lar resplandece como sinal para outros?

Para tanto, não existem fórmulas mágicas, prontas. Sabemos que, viver de fé, até para nós, que cremos, é um desafio. Mas, será que esse tentar não é um tempero, um ânimo que nunca nos faz esmorecer, acomodar? É preciso, sempre, que progridamos na fé. E tal progresso só se dá quando estamos dispostos para o crescimento. Caso contrário, nos encurvaremos e nos desfiguraremos. O “não temais” de Jesus, é um convite a uma sadia ousadia: a não obstante os desafios, crescermos na graça. Numa graça vívida no núcleo familiar, é bem verdade. E, experimentando-a, contra toda desesperança, sermos sinais de um viver sob a vontade de Deus, doadora de vida e felicidade. Não se tratando de um viver unicamente pessoal; mas, a de estar aberto a uma experiência em comum, a uma experiência familiar. Se, enquanto família se vive assim, poderemos escutar o testemunho da parte de Deus e da sociedade: “Família, sois a esperança do mundo”. Esperança não por si mesma, mas porque é concretização do querer de Cristo Deus no seu interior, no seu centro. A família sem Cristo nunca será sinal de esperança. Nunca!

Quando lemos as doze promessas do Sagrado Coração de Jesus, reveladas a Santa Margarida Maria Alacoque, na França do século XVII, temos duas que, diretamente, são dirigidas à família: mais exatamente a primeira e a terceira, que dizem: a primeira: “A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de Meu Sagrado Coração”; a terceira: “Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias”. Entretanto, sabemos que, nas nossas famílias, existem pessoas e pessoas, corações e corações. E, rememorando as aparições do Sagrado Coração de Jesus e as Suas doze promessas, faço-lhes, representantes de tantas e tantas outras famílias, o convite: deixem que o Sagrado Coração de Jesus seja o Rei e o Centro da família de vocês, e apresentem-No também às outras, naturalmente, com a vivência de vocês, para que também se permitam a tão grandiosa e bela ventura. E não basta somente a imagem – caso desejem fazer a sua entronização solene, porque a imagem é um sinal, uma representação –, mas que o Coração de Jesus, Pessoa, seja o motivo de esperança da família. Se isso acontece, como graça, os membros de uma maneira geral, cada um de acordo com a sua necessidade, lucrarão as outras promessas: “Eu darei aos devotos de Meu Coração todas as graças necessárias a seu estado; eu os consolarei em todas as suas aflições; serei refúgio seguro na vida e principalmente na hora da morte; lançarei bênçãos abundantes sobre os seus trabalhos e empreendimentos; os pecadores encontrarão, em meu Coração, fonte inesgotável de misericórdias; as almas tíbias tornar-se-ão fervorosas pela prática dessa devoção; as almas fervorosas subirão, em pouco tempo, a uma alta perfeição; […] as pessoas que propagarem esta devoção terão o seu nome inscrito para sempre no Meu Coração”.

Que Jesus, sendo a esperança das famílias, faça dos nossos lares, sinais de esperança para este mundo tão carente, animando as outras famílias à superação dos intimismos, dos individualismos, dos desafios, das dificuldades e das tentações que as assolam!



[1] Familiaris Consortio, 4.



PALAVRA DE ABERTURA PARA A ASSEMBLEIA REGIONAL DA PASTORAL VIDA E FAMÍLIA
(Mossoró, 25 de novembro de 2016)
Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo de Palmeira dos Índios - AL
“FAMÍLIAS, FAÇAM TUDO O QUE ELE VOS DISSER!”
        
         Leitura bíblica: Jo 2,1-12


Ao escutarmos o evangelho de São João que nos fala do primeiro sinal de Jesus, somos convidados a vislumbrar dois aspectos inerentes à este texto. Assim, num primeiro instante, quero falar para vocês sobre as Bodas de Caná e alguns símbolos que acompanham teologicamente esta passagem da vida de Nosso Senhor, que inaugura a sua vida pública; em posterior, tratarei desta mesma passagem, já com os aspectos teológicos elucidados, tentando aplica-los à vida prática da família cristã.
O texto começa nos dizendo que, “No terceiro dia, celebrava-se um casamento em Caná da Galileia” o 2,1).  (JCronologicamente, somos tentados a imaginar que se trata de um dia de terça. Mas, não. São João, mesmo nos falando do terceiro dia, coloca esta passagem no sexto dia da semana, porque a expressão ‘terceiro dia’ significa três dias após o quarto dia, tendo em vista o que nos fornece o Evangelista-Teólogo já no capítulo primeiro. É bom que tenhamos em mente o significado do sexto dia no movimento da criação do universo de acordo com o livro do Gênesis no capítulo primeiro, versículos de vinte e seis a trinta e um. É nesse dia que Deus cria a humanidade. Dessa forma, o primeiro sinal realizado por Jesus deseja manifestar o surgimento da nova humanidade do grupo daqueles que aderem a Ele pela fé. Todos os outros sinais que o Senhor realizará no decorrer do Evangelho de São João somente possuem sentido mediante a ótica da criação da nova humanidade feita por Jesus, a partir de Seu sangue vertido na cruz. Isso mostra que ação do Filho representa a nova criação que o Pai realiza por meio do Unigênito. De fato, Jesus continuar a trabalhando sempre conforme aquilo que o mesmo Evangelho de São João no capítulo quinze versículo dezessete nos afirma que refazendo a criação, Ele ‘co-opera’ com o Pai: “Meu Pai continua trabalhando e eu também trabalho” (Jo 5,17), e a sua obra estará concluída na sua cruz quando dirá: “Tudo está consumado! (Jo 19,30), como se quisesse dizer: “- Tudo está realizado!”.
E o Evangelho continua dizendo que “[…] celebrava-se um casamento em Caná da Galileia” (Jo 2,1). Também aí, temos um simbolismo: a festa de casamento é um momento festivo em que estão congregadas muitas pessoas. No Antigo Testamento, é símbolo frequente do amor de Deus pelo povo de Israel. Os profetas usaram muitas vezes essa imagem para falar do amor mútuo entre Deus e Israel. Já no Novo Testamento, representa a união de Cristo com a sua Igreja, tal como nos afirma São Paulo, escrevendo aos Efésios, no capítulo quinto, versículos do trinta e dois ao trinta e três de sua epístola: “Esse símbolo é magnífico e eu aplico a Cristo e a Igreja” (Ef 5,32-33). Ou como anteriormente já dizia o Apóstolo dos Gentios: “[…] como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,25). É Jesus o verdadeiro esposo da humanidade. Por sua vez, a palavra Caná também é dotada de sentido. O nome do vilarejo significa “adquirir”. É Jesus, Divino Esposo, quem vai adquirir para si um povo com o qual realizará a Nova Aliança.
Ainda no versículo primeiro temos o dado: “Aí estava a mãe de Jesus” (Jo 2,1). A presença feminina de Maria não é somente uma de cunho materno. Mais tarde, Jesus a chamará “Mulher”. Na Bíblia, nenhum filho chamava desse modo sua mãe. Somente era cabível ao marido chamar assim a sua esposa. Este vocativo mostra que Maria não é somente a mãe do Senhor, mas representa um grupo: o daqueles que se mantiveram fiéis a Deus e que agora manifestam essa fidelidade obedecendo a Jesus.
Na festa de casamento em Caná (que representa toda a realidade da Antiga Aliança) faltou vinho. Essa bebida representa na Bíblia o amor. Prova-nos esta ideia o livro do Cântico dos Cânticos no capítulo primeiro, versículo segundo: “Os teus amores são mais deliciosos que o vinho” (Ct 1,2); como igualmente no capítulo sétimo, versículo décimo: “Teus beijos são como um vinho delicioso que corre para o bem-amado”(Ct 7,10); e ainda no capítulo oitavo, versículo segundo: “Eu te levaria, far-te-ia entrar na casa de minha mãe; dar-te-ia a beber vinho perfumado, licor de minhas romãs” (Ct 8,2). A Antiga Aliança não tem mais sentido, pois o amor foi substituído pela Lei. A Mãe de Jesus reconhece isso, porque, em vez de dirigir-se ao organizador da festa, vai a Jesus, que escuta dela: “Eles não têm vinho” (Jo 2,3). Quem são “eles”? São os que basearam a relação com Deus a uma série de regras, tornando-a fria e paralisada. Jesus garante que nem ele nem sua mãe têm alguma coisa a ver com isso. Daí exclamar: “Mulher, que existe entre nós? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). Que hora é esta tão misteriosa? A hora de Jesus; é a hora da Cruz, quando o ‘Salvador-Amante’ mostrará Seu amor sem limites.
Depois de escutar de Jesus uma resposta um tanto inusitada (mas prenhe de significado teológico), a Mãe de Jesus vai aos serventes: “Fazei o que ele vos disser!” (Jo 2,3). Ao mando de Maria os serventes da festa obedecem sem delongas. Eis a tarefa dos que aderem a Jesus: fazer tudo o que Ele mandar. É daí que nasce a nova humanidade, que, por sua vez, terá como atitude a obediência a Jesus e servir. Esta atenção disponível em ouvir e fazer a vontade de Deus foi premissa primeira que o livro do Êxodo nos apresenta como a sentimento do Povo da antiga Lei a aliança de Moisés: “E todo o povo respondeu a uma voz: ‘Faremos tudo o que o Senhor disse’. Moisés referiu ao Senhor as palavras do povo” (Ex 19,8).
São João continua acerca das seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, com capacidade de setenta a cem litros cada. Qual o simbolismo destas talhas de Pedras? O profeta Ezequiel, denunciando o coração de pedra do povo de Deus da Antiga Aliança, escreverá: “Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36,26). Esses enormes potes representam a falta de amor na relação com Deus. Além disso estão vazios, ou seja não têm mais nada a dar. O Evangelho ainda pontua, afirmando que esses recipientes serviam para a purificação dos judeus, demonstrando como a instituição religiosa via relação com Deus: num distanciamento e frieza tais diante de uma divindade que podia, a qualquer momento e por qualquer motivo, se zangar com o povo que o tinha que agradar com ritos de purificação. Essa não é a relação exigida por Cristo-Esposa para a nova humanidade. Os ritos de purificação desprovidos de um sentimento de adesão perdeu o valor e o sentido, pois não é assim que as pessoas se relacionarão com Deus, porque, tal como nos diz o mesmo Evangelista João no Prólogo do seu Evangelho: “Pois a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1,17).
Simbólicos ainda é a quantidade das talhas seis, que recordam as festas judaicas presentes no Evangelho de São João: três páscoas (cf. Jo 2,13; Jo 6,4; Jo 11,55; uma festa anônima: Jo 5,1; a Festa das Tendas: Jo 7,2; e a Festa da Dedicação do Templo: Jo 10,22). As festas igualmente são desprovidas de vida para o povo; servem somente para manter os privilégios dos dirigentes religiosos que exploram e oprimem.
Mais adiante, Jesus manda que encham as talhas de água – ao que fizeram de maneira quase transbordante – depois ordenou que levassem ao mestre-sala aquela água aparentemente normal. João é categórico em informar quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho sem saber de onde procedia, embora o soubessem os serventes que haviam retirado a água. O mestre-sala dirige-se ao noivo e declara: “É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora” (Jo 2,10). A mudança da água em vinho não acontece dentro dos potes, e sim fora, para dizer que Jesus não veio remediar uma situação, mas para mudá-la radicalmente.
A abundância de vinho (em torno de seiscentos litros) revela o amor extraordinário e profuso de Deus, presente na vida e na ação de Jesus, o Esposo da Nova Humanidade, que sela a Nova Aliança dando a vida por amor. Outro fator que deve ser frisado aqui é que, ao final do Evangelho, temos, não mais a conta das seis talhas, e sim de uma única: o próprio Jesus. É Ele a talha do verdadeiro vinho que pode ser contabilizado de duas maneiras: associado às outras seis talhas formando a sétima (e sete é o número da perfeição), para afirmar que Jesus é o vinho perfeito para humanidade; mas, ao mesmo tempo, a qualidade do vinho de Jesus é única e é somente desta única dose que o mestre-sala degusta. A ignorância do mestre-sala acerca do vinho novo diz respeito ao mistério da origem de Jesus e de seus dons: Ele não é deste mundo ele é do Alto: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18,36).
Quem é esse mestre sala e o que ele representa? Representa a instituição judaica; de uma criação encarquilhada no mal, que, ao dar uma bronca no noivo não aceita a novidade da Nova Aliança, porque, antes, não nota a falta de vinho, achando normal que na relação com Deus o amor esteja ausente. Para ele, o vinho foi sempre novo. A carência do vinho é a Lei (com as suas obrigações vazias) e esta basta, não admitindo mudanças no sistema que afasta o povo de Deus. Com isso recusa a novidade do amor de Jesus. João, no Prólogo, vai dizer que o Verbo “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo 1,11-13).
O Evangelista São João conclui o relato deste episódio dizendo o seguinte: “Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galileia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois disso, desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ali só demoraram poucos dias” (Jo 2,11-12). Percebamos algo: no Antigo Testamento, Deus manifestava a sua glória no fogo consumidor do topo da montanha, como atestam as teofanias do livro do Êxodo. Agora, a glória de Deus é Jesus revelando o seu amor ilimitado, figurado na abundância do vinho. A melhor resposta que podemos dar é a da fé, aderindo a Jesus, aceitando e vivendo o Seu amor, tal como fizeram os discípulos da ‘primeira hora’, que acreditaram nele e o seguiram, tal como Maria, a Sua Mãe, Seus parentes e discípulos. Ao permanecer com Ele, vão reconhecendo que Jesus é o verdadeiro esposo. E a partir desta adesão a Ele, é que se forma a Nova Humanidade, a Esposa do Cordeiro; do número dos Seus seguidores, que vai aumentando.
Pronto! Até aqui, fizemos uma breve tratativa na teologia do texto. Agora, convido-os para que entremos – a partir deste mesmo espírito teológico – à nossa realidade humana. É Deus quem nos fala por meio deste nosso encontro em prol das famílias. “Fazei tudo o que ele vos disser!” é a ordem que Maria deu aos serventes daquela festa de casamento; e não somente lá: ela também nos dará. Percebamos que a tratativa teológica do texto nos acena para uma relação de amor profunda e genuína que emana do coração do próprio Deus para com  a humanidade, e que os esposos cristãos, devem ter como desafio repetir dentro da intimidade de seus lares.
Quando o homem e uma mulher se decidem a, livre e espontaneamente, aceitar-se em matrimônio, acontece plano de Deus. É como se o sonho de Deus se tornasse realidade no ato que faz de dois corações um só. O vínculo matrimonial não é obra simplesmente de um ato humano, mas do Amor Divino que quer palpitar no coração daqueles dois seres que, pela comunhão de vida, desejam fazer-se uma só carne.
O problema está naqueles que abraçam a vida matrimonial, e se esquecem de que são instrumentos do Amor Divino. E desde descurar, começam a pautar a sua vida conjugal nos aspectos humanos, que com o passar do tempo, tornam-se efêmeros e insuficientes, fazendo-os cair na monotonia e no desgaste tamanhos que se torna insustentável o viver a dois. É preciso que os casais tenham em mente de que a sua vida a dois deva corresponder àquilo que é querido de Deus, e que a sua vida matrimonial é fruto de um amor de Cristo que os une à obra de Deus.
O sinal que está nas Bodas de Caná é um convite para irmos ao encontro do único e verdadeiro amor das nossas vidas, correspondendo, assim, à nossa vocação específica: eu, como consagrado, como Bispo da Igreja; e aqueles que se receberam pelo matrimônio através de um amor-comunhão de duas vidas. Isto é prezar pelo vinho novo, principalmente quando se acaba o vinho inferior, o vinho antigo, o vinho quase vinagre que tenta botar uma mácula coração das famílias. Maria aparece como intercessora e mediadora. Aquela que sabe olhar a necessidade dos irmãos vai dizer ao Filho que está faltando o essencial para a festa. Ela o faz confiando n’Ele, sugerindo que tenhamos igual confiança. A Mãe das Famílias tem o seu coração entristecido por ver que tantos e tantos lares estão nos dissabores da falta de amor, de compreensão e de respeito.
A presença de Jesus na vida a dois é garantia de que o essencial jamais faltará, e que, mesmo que as dificuldades conjugais advenham, Ele está pronto para ajudar a solucioná-las. Como Deus é dotado de uma grande capacidade criativa, Ele fortalece o relacionamento de cada dia. E, diante de momentos cruciais ou mesmo de alegrias e satisfação, a presença espiritual de Maria (que nunca vem sozinha, mas acompanhada de seu Filho) numa boda, numa vida a dois, pode ser vista como sinal do seu compromisso com a vida conjugal, com a vida das famílias, e um convite comum à ousadia do Evangelho.
O simbolismo da transformação da água em vinho sugere a necessidade de transformação que a ‘construção do casal’ exige. A ideia de festa que perpassa por este evangelho das Bodas de Caná é um convite à alegria dos esposos e, simultaneamente, um convite à confiança em Jesus, a exemplo de Maria. Ela alerta, em primeiro lugar, para o vinho que falta na relação conjugal, e, enfim nas famílias. A sua sensibilidade viu a carência dos noivos. Jesus supriu as suas necessidades e os serventes obedeceram: o vinho da transformação era de melhor qualidade do que o anterior, e é a marca da ação de Jesus. A esta associação de fatos ao inesperado, os noivos convidaram Jesus e sua mãe para festa e a transformação aconteceu. Não seria um convite premente, por parte das nossas famílias, para que Jesus e sua mãe se façam presente nelas, transformando as dores, as cruzes e as dificuldades em momentos felizes de festa de Deus?
Creio que neste momento são plausíveis alguns questionamentos que as famílias podem responder no íntimo do interior de cada uma delas mesmas. Primeira pergunta: confiamos em Jesus e escutamos o que Ele nos diz? Executamos o que Maria nos sugere quando diz: façam o que ele lhes disser? Os casais se dão conta de que a vida a dois é um ‘verdadeiro milagre’? Que significado atribuem ao papel de Deus desse ‘milagre’ cotidiano? Será que o ‘vinho’ do amor não está insípido, sem gosto, por causa da rotina da vida e de elementos estranhos que desejam se instalar no âmago da vida matrimonial? E o da compreensão que exige um escuta diferente? Como anda o diálogo na vida a dois? E a partir da vida a dois na vida de toda a família? Não será que Maria alerta em primeiro lugar para o vinho que falta na relação conjugal das famílias e com aqueles que as rodeiam?
Mediante estas perguntas que iluminarão a análise da vida a dois, é preciso que se veja o casamento renovável diariamente pelo Matrimônio (cotidianamente bem vivido) como ato mesmo de Cristo. O sacramento do matrimônio vem unir duas pessoas, duas vidas, mas um terceiro associa-se a essa união: Cristo casa os esposos e serve-se deles para ministros. Não é só no dia da celebração do casamento que Cristo oferece aos esposos as suas graças de amor, mas igualmente ao longo da vida em que Cristo não estará somente perto deles, mas neles. Isso é fazer de Cristo o vinho novo da Alegria, o vinho constante da Sua presença renovadora, o vinho de sabor único para as famílias, a começar dos casais.
O sacramento do matrimônio é uma fonte permanente de graça para os esposos. Enquanto durar a sua vida conjugal, “o casamento permanece, logo após a sua realização, uma fonte de graças: a sua união, o seu compromisso permanente não deixa de ser, para os esposos, a sua própria aliança à graça do Senhor, com a qual Deus se serve para santificar, espiritualizar, divinizar cada um, assim como aperfeiçoar o seu amor e a sua união” (Padre Henry Caffarel).
A vida do casal na vida mesma de Cristo recebe graças de amor. Graças estas que o Senhor não as deixa de dispensar: de cura e purificação, transfiguração e fecundidade, que brotam do Coração de Jesus. Colaboradores de Deus e corredentores com Cristo, os pais têm o dever não somente de despertar nos seus filhos, mas de cultivar (como um trabalho de todos e para todos de um lar) o sentido de quererem modelar-se à semelhança do seu ‘Irmão Divino’. Cultivando as graças do seu Batismo, o sacramento diariamente renovado do Matrimônio nasce do coração de Deus e age como sinal de graça para os cônjuges, que se situam ao lado de Deus, comungando com Ele. Creio ser ainda pertinente perguntar: como agem os esposos diante da presença de Cristo que lhes fortalece a fé e os votos de amor, respeito, fidelidade e colaboração na obra da criação feitos no dia do Matrimônio?
Por fim, queridos irmãos, assim como Maria foi atenta às necessidades dos noivos de Caná, peçamos-lhe também patrocine as nossas famílias, os nossos casais: “Maria, Rainha das Famílias, atenta nas Bodas de Caná, faz de nós pessoas com olhos abertos e mãos disponíveis a tantos que se embriagam com vinho ruim da falsa felicidade. Distanciam-se de Deus, de seus semelhantes e destroem a natureza do vínculo conjugal. As nossas famílias necessitam do vinho da Alegria, de Vida com sentido, com sabor, com beleza. As nossas famílias carecem de Deus por não saber procura-Lo como convém. Mostra-nos o Teu Jesus, ó Mãe, e que possamos escutar-te, instantaneamente, a nos dizer: ‘Fazei tudo o que Ele vos disser!’” Amém.



ALOCUÇÃO PARA A ABERTURA DO ENCONTRO DA PASTORAL FAMILIAR DO REGIONAL NORDESTE II

FAMÍLIA: CASA DA MISERICÓRDIA 
(Recife, 10 de março de 2016)  
Caros amigos,  
Ao iniciarmos este nosso encontro, acolho a todos vocês que deixaram os seus inúmeros afazeres para estarem aqui, pensando propostas não somente para as suas, mas à luz do Evangelho de Jesus, para as demais famílias cristãs espalhadas em todo o nosso território brasileiro. Sejam todos bem-vindos! Muito obrigado pela preciosa presença de vocês que vieram de diversos recônditos deste nosso Regional Nordeste II: do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Alagoas, e deste querido Estado de Pernambuco, nosso valoroso anfitrião! Ao tempo em que agradeço a abertura dos pastores desta Arquidiocese de Olinda e Recife para nos receber: Dom Fernando Saburido, Arcebispo Metropolitano, e o seu Bispo Auxiliar, Dom Antônio Tourinho.   No princípio deste nosso encontro, creio ser elementar fazermos uma breve analogia entre família e misericórdia, vendo como, enquanto Pastoral Familiar, somos missionários da misericórdia para as famílias: nossa e daqueles que integram conosco os núcleos aos quais representamos. De certo que Dom Antônio Tourinho aprofundará mais esta relação. Entretanto, penso ser necessário que, enquanto Bispo referencial para a Pastoral Familiar neste nosso Regional, possa eu pincelar acerca da temática abordada mais tarde.  
Toda família cristã, por ser baseada no amor, bem como em toda realidade que do amor promana (como respeito, diálogo, compreensão, paciência, perdão...), é lugar de experimentar com maior calor a misericórdia divina. O Papa São João Paulo II, em sua Exortação ‘Familiaris Consortio’ chamará, com toda justiça, a Família de “comunidade em diálogo com Deus”. É, pois, no regaço familiar que se deve sentir com maior pureza e limpidez, latentemente, a misericórdia de Deus. “Deus é Amor” (1Jo 4,16). Assim, o ser de Deus, o amor, comunica-se ‘com’ e ‘à’ família, eivando-a dos mais nobres sentimentos, fazendo com que, instantaneamente, haja nos lares a presença do amor como um norte. “Sem o amor, a família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas” (Familiaris Consortio, 18).  
Sendo a família um local proeminente para sentir e fazer viver o amor de Deus, ela também é casa da misericórdia. Quando deste termo ‘misericórdia’, sempre nos advém à mente a temática do perdão. No seio da família faz-se extremamente necessário que cada membro adquira a fisionomia e as atitudes de Deus. Ao apelo deste Ano Jubilar da Misericórdia, cada membro deverá ser “misericordioso como o Pai”.   
Ser misericordioso em uma casa não é uma atitude passiva ou mesmo omissa de ignorar os erros daqueles que, comigo, formamos um lar; tampouco misericordioso será o que vive com o dedo ereto a apontar e a julgar outrem. O princípio da misericórdia sempre será coligado ao da justiça, levando em conta o imperativo de Jesus no Sermão da Montanha: “Seja o vosso sim, sim; e o vosso não, não. O que passa disso vem do maligno” (Mt 5,37)  
Ser misericordioso é ser sal, luz em meio às trevas do mundo: “Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocála sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa.” (Mt 5,13-15). É ser ainda fermento misturado à massa para levedá-la (Lc 13,21). Ser misericordioso é, por fim, ser altivo. Não uma altivez que se torne soberba em se sobrepor aos demais pela vaidade, mas ser um experto, especialista no amor, e pelo amor ao testemunho, pelo amor à correção, pelo amor à docilidade, pelo amor à doação.  
A misericórdia como amor é, no dizer de São Paulo, paciente, bondosa, não é invejosa nem orgulhosa, não é arrogante, tampouco escandalosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor, não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade (1Cor 13,4-6). A fórmula inequívoca da misericórdia pode ser copiada para os nossos lares da Parábola do Filho Pródigo, onde o retorno de um ao bom e reto caminho é sucesso e festa para todos.    
Sim, a família é o lugar da festa da misericórdia! Quando se há compressão, aí se festeja a misericórdia. Quando se há ajuda para um mútuo crescimento, aí está a festa da misericórdia. Quando se há o respeito, aí se celebra a misericórdia. Quando acontece o perdão, aí a misericórdia triunfa. Quando há o diálogo, a correção fraterna, aí a misericórdia é exaltada.  
Caros amigos, iniciei estas minhas palavras lembrando-lhes que são, como representantes da Pastoral Familiar em suas respectivas dioceses, missionários da misericórdia para as famílias: em um primeiro momento para as famílias de vocês, e, posteriormente, para levarem adiante, para as outras famílias, o que escutarão aqui. Pois bem, se se aplicarem à vivência da misericórdia com toda a sua riqueza nos lares de vocês, tudo o que escutarão aqui será garantido por uma prática que dará certo na casa de vocês, com os seus cônjuges, filhos, sogros, cunhados, sobrinhos... E, dessa forma, não serão missionários de uma causa desconhecida, mas de algo experimentável e de excelente resultado. De apenas missionários, vocês se tornarão testemunhas da misericórdia, sentida não unicamente no subjetivo, como também no coletivo de pessoas que se amam denominado família. Mas, não um amor de qualquer maneira. Não! Mas na medida do amor de Cristo, que nos impulsiona (cf. 2Cor 5,14) para a perfeição, rumando-nos justos, à pari passu para Deus, que é Amor.  
Sabemos que a família é a célula-mater da sociedade. Se a família experimenta a misericórdia que vem de Deus e passa pelos membros do lar cristão, igualmente o mundo beberá da misericórdia divina e será um lugar menos sofrível, mais humano. O que não nos é utopia, mas sonho de realidade, muito embora o nosso destino não seja esta terra, mas o céu de Deus.  
Faço votos de um profícuo trabalho a todos. E que a misericórdia de Cristo, através dos seus membros, triunfe na família cristã. 

DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS


ALOCUÇÃO PARA A ABERTURA DA ASSEMBLEIA DA PASTORAL FAMILIAR DO REGIONAL NORDESTE II
(Cajazeiras – PB, 30 de outubro de 2015)


Minha saudação afetuosa ao meu irmão no episcopado Dom José González Alonso, Bispo Emérito de Cajazeiras, e grande incentivador da Pastoral Familiar, não somente em sua Diocese, mas em todo o nosso Regional Nordeste 2;

Minha saudação a todos vocês que lotam, neste final de semana, este recinto, provenientes do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Pernambuco e de Alagoas, para, à luz da Palavra de Deus, avaliar e planejar a caminhada desta importantíssima pastoral da vida da Igreja que se encontra também nos lares, tal como se caracteriza a Pastoral Familiar.

Meus queridos amigos,

A Igreja nunca se esqueceu de prezar pela vida em família, até porque o nosso Salvador, ao encarnar-se na condição humana, escolheu habitar no lar de Maria e de José. Por isso, a Igreja não olvidou da família porque, observando o Seu Divino Fundador, tem consciência de que todos, sem exceção, que compomos a Igreja, antes de tudo o mais, já compúnhamos a instituição familiar.
Entretanto, ultimamente, a Igreja tem, ainda mais, buscado luzes no Evangelho para esclarecer a vida familiar em meio a tantos atentados que se apresentam e que podem, se não houver o devido cuidado, obscurecer, ou mesmo arruinar, o berço social, tal como preconiza a família. O Papa Francisco, por meio deste último Sínodo bi-partido, não se deteve nesta missão própria de Sucessor de Pedro, que é a de confirmar o rebanho no que é desejo do Senhor. Nas suas catequeses semanais de quarta-feira, o Santo Padre apresentou muitas dos recursos que são úteis para uma saudável vida familiar, partindo, inclusive do seu conceito para balizar tantos outros pontos necessários. Desejo, fazer das suas palavras as minhas no que diz respeito à nossa preocupação pastoral para com a menor célula social, e que, na Teologia e na prática pastoral chamamos com uma nomenclatura mais doce e mais pontual: Família, Igreja Doméstica – como bem enunciou o Concílio Vaticano II, e, posteriormente, o Papa São João Paulo II.
 A Igreja de Cristo é viva. Esta sua vivacidade apresenta-se pelas preocupações e respostas que dispensa ao mundo contemporâneo. Na sua audiência geral do último nove de setembro, o Santo Padre, com palavras curtas e diretas, expressou-se: “Hoje gostaria de chamar a nossa atenção para o vínculo entre a família e a comunidade cristã. É um vínculo, por assim dizer, ‘natural’ porque a Igreja é uma família espiritual e a família é uma pequena Igreja” (cf. Lumen Gentium, 9). Com uma ideia que exprime imbricação, o Santo Padre delineia os conceitos basicamente fundamentais de duas instituições que salvaguardam uma a outra: a Igreja, que sempre defenderá os direitos da família, inclusive de existir de acordo com o querido por Deus e consoante à naturalidade da vida humana; e a família, que nutre a Igreja das mais ricas e variadas vocações, desde aquela fundamental à vida e à santidade, até as vocações específicas e que manifestam o anúncio do Evangelho nos mais sortidos lugares em que a Palavra de Jesus precisa ser anunciada. Se a Pastoral, que na Igreja cumpre este encargo, levar a bom termo o que lhe é confiado, tal como a Pastoral Familiar já o faz, haverá uma conjugação de esforços comuns em prol das duas instituições divinas – por terem sido queridas e instituídas pelo próprio Deus, não obstante os seus aspectos humanos: a Igreja e a Família.
“Os grandes acontecimentos dos poderes mundanos escrevem-se nos livros de história, e ali permanecem. Mas a história dos afetos humanos inscreve-se diretamente no Coração de Deus; e é a história que permanece para sempre. Este é o lugar da vida e da fé. A família é o lugar da nossa iniciação — insubstituível, indelével — nesta história. Nesta história de vida plena, que acabará na contemplação de Deus por toda a eternidade no Céu, mas começa na família! Por isso a família é tão importante”, continua Francisco. Nossos esforços comuns sempre foram, são e devem continuar a ser neste propósito: que a base familiar seja o amor; amor cuja fonte é o próprio Deus, cuja essência, por sua vez, é o amor: “Deus é amor. Todo aquele que ama permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4,16). Como Igreja, queremos apresentar Deus às famílias, eivando-as Dele, eivando-a de amor. Não amor na medida do mundo ou na sua modalidade que carece, que apossa; pelo amor, comete-se aberrações e crimes passionais: amor desequilibrado; amor egoísta; amor sentimentalismo. Não! Desses pseudo-amores já basta! Queremos que as nossas famílias sejam portadoras e instrumentos de amor porque desejamos que elas gravitem em torno de Deus; porque Ele deve ser o centro de cada família. Somente com atitude tal é que a comunidade humana, fundada no amor, que denominamos família, escreverá a sua história no coração daquele que disse de Si ‘ser amor’, composta de bela caligrafia, carregada de alegria e também de dificuldades, que tem por tinta a fé. O caminho da vida em família nunca independerá do caminho da fé em família, com tudo o que a fé produz e como é alimentada no seio de cada lar. A família que vive nas sendas da fé é porta aberta ao Céu, por estar em contato constante com o que é Divino. Eis porque ser chamada de ‘Igreja Doméstica’.
A Igreja deve ser família onde também as famílias se encontram. Igreja: família de famílias; família de Cristo composta por famílias que têm Cristo como o seu eixo. “Nos Evangelhos, a assembleia de Jesus tem a forma de uma família, e de uma família hospitaleira, não de uma seita exclusiva, fechada […] Os próprios discípulos são eleitos para cuidar desta assembleia, desta família dos hóspedes de Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de 2015). Creio que, com este sublinhar do Santo Padre acerca da tarefa que os discípulos de Jesus, o seus Apóstolos, possuem, é que nós, Dom José, e padres aqui presentes, entendemos a curatela que nos é cabida no lidar com as famílias. Por sermos pastores da grande “família de Deus” (cf. Ef 2,19), igualmente nos urge o dever de assistirmos às famílias. Não um assistir no transitivo direto, como espectadores, mas com o verbo no transitivo indireto, que inculca a ideia de socorro, de proteção. Velemos pelas famílias com o mesmo ardor que velamos as paróquias, as dioceses, porque o contexto familiar lhes é integrante: “a família e a paróquia são os dois lugares onde se realiza aquela comunhão de amor que encontra a sua derradeira fonte no próprio Deus” (Francisco: Audiência Geral, 09 de setembro de 2015). Logo, se preocupa-nos no como vivem as famílias, se no amor, se em Deus, estaremos prezando por sua origem, meio e destino.
Não pensem, caros dirigentes da Pastoral Familiar, que vocês estão dispensados do encargo de responsabilidade sobre as famílias. Não! Junto conosco, vocês fazem valer o compromisso batismal que perpassa em ser mãos, braços, pés, pernas, voz, dos pastores da Igreja, e, acima de tudo de Cristo Jesus. Não descurem deste princípio de responsabilidade que se abate sobre vocês, tanto quanto nós, ministros da Igreja de Cristo. Creio que esta consciência já seja latente em suas mentes. Se a família de vocês vai bem, por que não ensinar a fórmula que tem dado certo às famílias que estão precisadas de um recurso chamado Jesus já descoberto pela família de vocês? Com estas palavras, faz-se vivo em mim o anseio de dar-lhes um incentivo maior do que as disposições que vocês trazem nos seus interiores. Levemos adiante os nossos trabalhos: seja aqui, seja nos rincões de nossas Dioceses. Tenhamos em nobre conta o pouco que fazemos, não por vaidade, mas porque é trabalho de cujo instrumento somos de Deus.
Agradeço a Dom José não somente a acolhida, mas, antes de tudo, agradeço-lhe todo o labor em prol desta dimensão tão rica e, simultaneamente, complexa e desafiadora, como é esta de acompanhar as famílias; ele que se empenhou com tanto vigor para que a Pastoral Familiar tivesse êxito através de um acompanhamento tão formidável. Sou grato ainda por ter-me indicado para o serviço junto a vocês em nome do Regional Nordeste 2. Dom José, tenha em mente o que a Igreja reza a Deus, pedindo pelos Pastores, na Oração de Coleta no dia de São Gregório Magno: “dai […] o espírito de sabedoria àqueles a quem confiastes o governo da vossa Igreja, a fim de que o progresso das ovelhas contribua para a alegria dos pastores”. Seja, portanto, esta nossa assembleia o felizardo alento para a sua consciência de ter dado um largo contributo para o crescimento e a santificação de tantos. Muito Obrigado, Dom José!
Que tenhamos um frutuoso trabalho! Muito obrigado a todos!

DOM DULCÊNIO FONTES DE MATOS




POR UM FUTURO SENSATO


Prezados leitores e leitoras,

            Ultimamente, nos deparamos com certa inquietação por conta de pessoas que insistem na ideia sobre a ‘Identidade de Gênero’ ou a igualmente chamada ‘Ideologia de Gênero’. Esta teoria insiste na “distorção completa do conceito de homem e mulher, ao propor que o sexo biológico seja um dado do qual deveríamos libertar-nos cabendo a cada indivíduo decidir o tipo de gênero a que pertenceria nas diversas situações e fases da sua vida”. (Nota Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da Ideologia de Gênero).
            No meu modo de pensar, forçar a implementação da ‘ideologia de gênero’ chega até mesmo ser um constrangimento à família e à toda sociedade, isso sem me deter ao contristar com o querido por Deus quando da obra da criação. Constranger é incomodar, forçar; é, ainda, coagir e compelir. Entendam, baseio-me na nota dos Bispos do Regional Nordeste 3, que elucida: “No mês de junho todos os 5.570 municípios brasileiros deverão aprovar seus Planos Municipais de Educação (PME) de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, instituído pela Lei 13.005/2014. Para relembrar, trazendo à lume os fatos, o PNE foi fruto de um intenso debate democrático com participação dos cidadãos brasileiros e de muitas pessoas com interesse pela família. Nele, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal rejeitaram a menção à ‘igualdade de gênero’ pela relação direta que a expressão tem com a chamada ‘ideologia de gênero’”. Se foi rejeitado na Câmara Federal e no Senado, por que, disfarçada e sutilmente, reaparece agora, colocado no processo para aprovação dos Planos Municipais de Educação que orientarão as secretarias de Educação e as diretorias das escolas municipais nos próximos dez anos? Creio que tudo isto está sendo veladamente apresentado – como que na surdina – porque pouco acompanhamos as discussões e atividades dos legislativos municipais, já que as votações naquelas casas - que seriam populares - são pouco acompanhadas pelos cidadãos, tendo em vista também o pouco, ou até mesmo o total desinteresse das grandes mídias de comunicação, grande formadoras da opinião pública. Caso os Planos Municipais de Educação contenham os ditames da ‘ideologia de gênero’, comprometeremos a formação de toda uma geração, levando em conta o seu período de vigência: a duração de uma década. Se a aprovação acontecer, os efeitos e consequências serão infindamente trágicos às consciências e aos valores dos indivíduos, da família e da sociedade como um todo, independentemente do credo que professam.
            Tal como afirmam os bispos, isso é um desrespeito. E digo mais: como tudo está sendo conjecturado, negociado e feito pelos pregoeiros da perversão dos costumes, isto é uma violência, pois os que estão por trás dessa implantação da ‘ideologia de gênero’ não se conformam com as reiteradas derrotas na Câmara e no Senado, no intuito pertinaz de ver concretizado em nossa sociedade um dos maiores equívocos da civilização humana com a aprovação do Estado. Nosso Senhor “elogia”, no Evangelho de São Lucas (cf. 16,1-10), essa habilidade dos estultos e servidores do erro, dizendo que é uma lição para os que propugnam pelo bem e pela verdade. Se eles são ferrenhamente defensores do erro e da confusão, com igual ou superior persistência, defendamos a luz da verdade, pois, como avalia o frade dominicano, Professor Estevão Vallaro, “se os cristãos, em geral, empregassem, em defesa do bem, metade do esforço dos que lutam pelo erro e pelo mal, com atrativos e maneiras que agradam, creio que o mundo seria mais feliz”. Para difusão dessas ideias, os seus defensores têm como meta a “desconstrução” da sociedade, começando por minar a família e, com este intento, a educação dos filhos. (Nota Circular dos Bispos do Regional Nordeste 3 sobre a questão da Ideologia de Gênero).
            Os bispos da Bahia e Sergipe enumeraram cinco partes inconvenientes para educação consoante à ‘ideologia de gênero’. Corroborando, como Pastor, as elenco aqui, apresentando-as com maiores detalhamentos: 1) A confusão causada nos crianças no processo de formação de sua identidade, fazendo-as perder referências acerca de uma salutar, biológica, necessária e consuetudinária noção de paternidade e maternidade; 2) A sexualidade precoce, na medida em que a ideologia de gênero promove a necessidade de uma diversidade de experiências sexuais para formação do próprio “gênero”. Pois, para tratar disto em sala de aula, por exemplo, as nossas crianças terão de, o quanto antes, ingressar nas fases de um antecipado autoconhecimento fisio-psicológico, pulando, destarte, etapas da puerilidade, desrespeitando a sua devida maturidade; 3) Num contexto em que há um combate por parte da sociedade como um todo, a 'ideologia de gênero' seria uma abertura perigosa para a legitimação da pedofilia, que poderá também ser considerada um tipo de gênero; 4) A banalização da sexualidade humana, aumentando a violência sexual, sobretudo contra as mulheres e homossexuais. Este fato, associado ao uso insensato da internet, poderá ser, maiormente, agravado; 5) A usurpação da autoridade dos pais, em matéria de educação de seus filhos, principalmente no tocante à moral e à sexualidade, já que todas as crianças serão submetidas às influências dessa ideologia, muitas vezes sem o devido conhecimento e consentimento dos pais, infringindo os valores cultivados pela sã educação familiar, fruto também de suas convicções religiosas.
            Meus amigos e irmãos, esforcemo-nos para levar adiante a mensagem que dignifique a família e salve a sociedade de uma terrível crise, de identidade inclusive. Que nossa bondade, nossa palavra, nosso empenho no apostolado de Cristo-Verdade e no zelo pelo futuro invadam o mundo. É uma cruzada santa, para a qual Cristo pede o nosso coração, as nossas forças, a nossa capacidade e bom senso. Imediatamente, procurem os vereadores, prefeitos e educadores, cidadãos e eleitores, homens e mulheres de boa vontade, para que conversem, e, pelo diálogo franco, seja mostrada a posição contrária da maioria das famílias sobre a ‘ideologia de gênero’. Se nos entregarmos a esta árdua tarefa, não teremos trabalhado em vão. Em simultâneo, o bom Deus ficará feliz com todos nós.


Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
e Referencial da Pastoral Familiar NE 2




FAMÍLIAS CRISTÃS GERAM VOCAÇÕES PARA A IGREJA

            Fala-se muito sobre crise vocacional na Igreja: isto é um fato. No meu entender, a causa da crise para o sacerdócio, para a vida consagrada e matrimonial é mais ampla do que se imagina, porque atinge, seriamente, a noção de vivência cristã. Não tenho dúvidas de que em todas as comunidades e em nossas dioceses, há certamente sementes vocacionais, faltando o ambiente propício para que elas floresçam. 
A crise da vida cristã reflete-se, imensamente, na família que, por carência ou isenção de formação de consciências a partir do sacramento matrimonial e de tudo que dele dimana, não é muito estruturada. Neste sentido, vemos o crescente colapso e desdém daquilo que, outrora, era natural, ou seja, a visão de família cristã, quando o ambiente em que cresce a criança, o adolescente e o jovem, enfim, o indivíduo, não reflete o compromisso primariamente cristão, e disto, por seguinte, não se pode esperar do futuro das novas gerações uma resposta ao chamado de Deus. Confesso que tal realidade me preocupa como pastor. Se não dermos uma atenção devida, uma melhor base às famílias, se não apostarmos seriamente na formação dos casais, dando-lhes o apoio necessário à vida familiar, se não formarmos bem os jovens, mostrando-lhes o caminho da fé em Deus, não chegaremos a lugar algum e os valores humanos e cristãos jamais penetrarão no coração das pessoas. Muito pelo contrário, a desordem, o senso do trivial e do descartável, de uma irresponsabilidade existencial e do permissivismo adentrará feroz e destrutivamente para minar a base da sociedade e o nascedouro das vocações: a família.
            A crise de vocação sacerdotal e vida consagrada é naturalmente o que reflete a crise ética, social e moral da própria comunidade cristã. Cito um exemplo: Pais e  familiares que são batizados, portanto cristãos, ficam admirados quando um membro da família pensa em ser padre, freira, frade ou até mesmo em querer casar seriamente na Igreja. Este é um sinal de que algo vai muito mal na vivência pessoal da fé cristã católica. E do pessoal ao familiar, ao comunitário, ao social... Sentimos a “falta de valores”. Sem eles, como acima aferi, a família é afligida por primeiro. Sem famílias sadias, fortes na fé e nos valores humanos e cristãos, esta crise, que se expande nas diversas vocações, não será vencida. Tenho certeza: se trabalharmos melhor a Pastoral da Família, a tensão será vencida e as sementes vocacionais nascerão e se desenvolverão. O Papa Bento XVI citou certa vez que o Papa João Paulo II dizia “estar convicto de que as vocações crescem e amadurecem nas igrejas particulares, facilitadas por contextos familiares saudáveis e robustecidas pelo espírito da fé, de caridade e de piedade.” Daí, eu crer que onde as comunidades paroquiais investem na família, incluindo os casais e filhos, acabam por “despertar” a sociedade que dorme e entorpece a própria comunidade cristã. Isto cabe à diocese e, propriamente, às paróquias. Que os sacerdotes possam promover, com urgência, a Pastoral Familiar, despertando as famílias para a fé, e, como consequência, veremos o caminho da promoção da pastoral vocacional ampliar-se grandemente, facilitando o discernimento dos corações para o chamado sacerdotal ou para a vida consagrada ou ainda matrimonial. Recordo-me do que disse São João Paulo II: “A família é celeiro de vocações”. Mas, família de que tipo? Consciente de quem ela realmente é, e daquilo que ela piamente crê pela fé de seus membros numa adesão total a Cristo Jesus. 

          Como Bispo, questiono: A sua paróquia está valorizando devidamente a Pastoral da Família? Sei que há paróquias mais sensíveis e empenhadas ao trabalho da promoção familiar e vocacional; outras, entretanto, ainda precisam alertar-se para esta realidade que precisa de maior atenção por parte dos sacerdotes e leigos, pois se trata de uma grande lacuna que precisa de imediata solução à luz de Cristo, que continua a passar e a chamar, vocacionar. Eis o meu apelo: É preciso ver a dinâmica e a abertura que se dá para os jovens escolherem livremente o caminho a tomar. Uma boa pastoral familiar e vocacional se faz necessária envolvendo casais, sacerdotes, religiosos e jovens. Assim sendo, todas as vocações terão o devido lugar no panorama do serviço da Igreja diocesana. Esquivemo-nos da “pastoral da manutenção.”.

            Concluo o nosso pequeno texto sobre o assunto tratado com o pensamento do 
Papa Emérito Bento XVI: “Os homens […] sempre têm necessidade de Deus, também o nosso mundo tecnológico, e sempre haverá necessidade de pastores que anunciem sua Palavra e que façam encontrar o Senhor”.

Dom Dulcênio Fontes de Matos
Bispo Diocesano de Palmeira dos Índios
e Referencial da Pastoral Familiar NE 2